sábado, 10 de março de 2012

A máquina do mundo

Num certo 10 de março de 1876, Alexander Graham Bell principiou tudo. Foi ele o culpado. Fez a primeira chamada telefônica da história – “Senhor Watson, venha aqui, eu quero vê-lo” – e começou a transformar esta Terrinha num planeta de invasores. Porque não é este Dia do Telefone que me há de amolecer o julgamento e convencer do contrário. Que seja (vá lá) um mal necessário, concordo; mas que o bichinho não deixa de ser também inimigo íntimo, X-9 maroto, espião infiltrado, embaixador da amofinação dentro de nossa vida e casa, é crença de que não abro mão.

Sim, o telefone permanece insubstituível para urgências de corpo e alma. Uma consulta ao médico, um apelo ao bombeiro, um socorro! ao chaveiro, um help! encharcado ao encanador. Uma encomenda preguiçosa à pizzaria. Um pedido exasperado à farmácia. Um agendamento expresso do cinema. E também os desabafos de tristeza ou alegria emergencial, intensos, inadiáveis. Admito o uso da maquininha para todas essas (e outras) imediatices. Que jeito. Mas eu – bicho das cavernas – não posso evitar de estremecer quando o toque abominável preenche a casa e insiste insiste insiste, indiferente à nossa ida ao banheiro, ao travesseiro, à novela, ao almoço. Fazendo pouco do sacratíssimo direito à solidão. À caramujice. Ao silêncio. À completa desvontade de relatar o dia, ouvir relato do dia, saber a última fofoca, a mais recente e vazia peripécia, a história da tosse inesperada. O telefone é um estupro de intimidade: requer-nos naquela hora e local, independentemente de nosso preparo; é presença que nos visita sem anúncio – visita de voz, mas visita. Existe, em cada toque não urgente, alguém se aboletando em nosso tempo de mala e cuia.

A coisa piorou com o celular. Piorou até a psicose. Até a loucura coletiva. Concordo, novamente, que é uma comodidade sem tamanho poder avisar que o pneu furou, o bebê nasceu, o leite está em promoção – sem precisar recorrer ao orelhão (quebrado) mais próximo. Mas o povo usa celular pra isso? Usa nada. Usa é pra tudo. TU-DO. Pra dizer que foi ao toalete do shopping: liga. Pra dizer que o toalete do shopping não tinha papel: liga. Pra completar que o toalete do shopping não tinha sabonete: liga. Pra contar que a manicure de sempre faltou ao serviço, faço com outra?: liga. Pra reclamar que a manicure nova acabou de tirar o 38º. bife: liga. Pra perguntar (durante o sacrossanto horário de almoço) se, afinal, a Keila beijou o Paulinho: liga. Pra xingar a Keila por não ter falado do Lucca e do Adriano: liga. Pra mandar um oi: liga. Pra mandar bom-dia: liga. Pra avisar que não vai ligar: liga. E ai de você se desliga! ofensa de primeiro grau estar (como eu) “inacessível” – do jeito que, aliás, até há pouco éramos todos. Pois insisto em prosseguir como me criei, ternamente fujona a essa síndrome da disponibilidade doentia. Sabe-se lá por quê, não curto ser radar ambulante. Um sumiço nosso de cada dia está na Declaração Emocional dos Direitos Humanos.

Tá certo: há compensações para os telefóbicos. Primeiro foi a secretária eletrônica. Delícia! tomar recado sem precisar atender e só acusar recebimento da mensagem em nossa devida hora e vez. Um princípio de liberdade. Aí veio o bina. Que maravilha o bina! Saber com antecedência o número que nos busca, escolher aceitá-lo ou não e, no caso de aceitá-lo, já ir de coração preparado, sem o salto no escuro que um “alô!” implicava. Definitivamente, uma quase alforria. Mas o melhor de tudo, ainda disparadão, é o e-mail – abençoado seja. Que o telefone exige resposta pronta, na lata, sem nem a consolação de um olho no olho nos dando o recurso das expressões faciais e atenuando-nos a indecisão e a gagueira. O e-mail não: nos concede rapidez e, simultaneamente, o tempo da reflexão e da delicadeza, o tempo do cuidado e do apuro, do pensamento e da resolução. O nosso tempo. É o supremo constatar da evolução humana. Ou, ao menos, prova de que podemos adiar um bocadinho mais o completo desespero.

(Só para fechar, e já que falamos em delicadezas e evoluções humanas: eu soube que, no Japão, é proibido conversar ao celular no metrô, para não incomodar os outros com a musiquinha ou com a voz. Vou ali do outro lado do mundo morrer de vergonha e já volto. Quando chegar, telefono.)

4 comentários:

Gislaine disse...

Gostei do post.
http://perfeitamenteteen.blogspot.com

Vanessa Ponzoni disse...

eu adorooo tecnologia avançada!
Esse lance do Japão ai é meio estranho...pensou se é algo urgente? nao concordo...

OGROLÂNDIA disse...

Odeio telefone, mas admito a supra necessidade dele na sociedade humana.
O que faríamos sem esse breguete? Antigamente quando algo era combinado com alguém e essa pessoa atrasava a gente pegava e ia embora, né? hoje você liga para a pessoa para saber se ela está vindo ou não e você toma mais uma duas horas de embromação antes de ir embora.
Prefiro me comunicar com mensagens de texto...ou de fumaça.

Anônimo disse...

Adorei a postagem =D