quinta-feira, 22 de março de 2012

Me engana que eu gosto

Está dando montão de polêmica a nova campanha americana de combate ao fumo. Não há que negar: sinistrona. A voz meio robótica abre o anúncio em off, enquanto se vê a foto de uma moça lindíssima. Em seguida, a mesma moça aparece na tela como hoje se encontra – horrivelmente magra, rosto deformado, careca. Ela narra sua rotina matinal: colocar os dentes (pega e encaixa a dentadura superior), vestir a peruca (assenta os cabelos louros sobre a cabeça esqualidinha), ajeitar o protetor no buraco da traqueotomia que lhe grita no pescoço. O desconforto é incontrolável. A piedade se estendendo a nós mesmos. Em diferente episódio, outro ex-fumante é focalizado da cintura pra cima, relatando seu caso. O sujeito se levanta. Em lugar de ambas as pernas, caminha com duas próteses. Arrepios.

Ok, o pessoal da propaganda gringa apelou merrrrrmo. Esfregou a desgraça alheia na cara do público e lançou mão das imagens mais desagradáveis, até exageradamente impressionantes para os corações alérgicos a susto. Concordo e pergunto: e daí? Haja vista que o objetivo é justamente evitar a primeira tragada dos bacuris de 14 anos, arrancar até a última fibra de glamour que ainda possa ter essa joça fedorenta, salvar também pulmões inocentes que fumam à revelia e adoecem de empréstimo, acho até pouco. Filminho infantil. Sublinhe-se: não houve explorados nem exploradores; houve ex-fumantes maiores de idade que participaram muito conscientemente da campanha, por cachê ou escolha social, ou os dois. E há espectadores viciados num mundo de estufa, polido o bastante para armazenar verdades até depois do jantar, até depois do cafezinho, e só esvaziá-las na segurança do gabinete – lindamente higienizadas. Um mundito que sacrifique necessidades dominantes às conveniências (e boas noites de sono) individuais. Um mundo que minta generoso. Que minta florido.

Somos mimados, queremos condescendência com as besteiras nossas; atacamos esse tipo de ataque em nome de um presumido “bom gosto” que não é mais do que covardia. Medo de encarar ali, crua e desmaquiada, a consequência que foge ao decoro. Defendemos as “liberdades pessoais” como se o comercial nos estuprasse a vontade, em vez de apenas (está no papel dele) penetrar-nos o estômago e os pesadelos. Desejamos a campanha fácil e ignorável, leve e bem-humorada, correta e inócua, igual e mecânica, a fim de não nos perturbar a culpa assustadiça. Eu finjo que escuto, você finge que me ensina; reservo dois minutos na semana para ter uma força de vontade adequadíssima e, no dia seguinte, passo de três para dois maços. Combinado assim?

Nada. Nada de carinhos com a morte que espreita. Nada de doçuras, nada de bandeja de cookies para a indesejada das gentes. Nada de medidas ternas na hora de sermos extremos. Que nos apareça assim o tempo calvo, cadavérico, como fantasma dos Natais futuros a nos tomar de nós mesmos – não menos que de imediato, não mais que de repente. Agora, ontem, anteontem. Sem pensamentos, sem reflexões: puro reflexo, pura náusea. Náusea súbita, excessiva e definitiva da morte.

Estamos bem com nojinho? ótimo. Agora é olhar com horror, com horror insuperável o que nos leva, nos afoga, nos arrasta. E pedir pra sair.

3 comentários:

Paulão Fardadão Cheio de Bala disse...

É. Pois eu sempre me pergunto: Qualé a ofensa em mostrar as coisas como são?

Monique Premazzi disse...

Eu não vi esse comercial americano ainda e nem quero ver, sinceramente. Meu tio é fumante e isso é horrivel! Odeio aquele cheiro e sei que está acabando com ele cada dia que passa, vejo problemas que ele tem por causa do cigarro e me sinto culpada e triste. Mas, falando sobre a realidade, não tem mal algum em mostrar o que realmente é. Isso pode ajudar a acordar milhoes pessoas dessa bobagem de fumar.

Beijos,
Monique <3

OGROLÂNDIA disse...

Não vejo a hora de começarem a fazer isso com cerveja, pinga e etc.