Rádio do carro ligado. Vem aquela música bonitinha do Seu Jorge que conheço de refrão, não de letra. “Mina do condomínio”. Pela primeira vez fico atenta aos primeiros versos e caio de fofura ante a profundidade simples, o resumo sem floreios do descompasso amoroso: “Tô namorando aquela mina,/ mas não sei se ela me namora”. Claro, o “namorar” do autor é mais propriamente aquele que fazemos de longe, contemplando, desejando, secando, olhando e reolhando com ar pidão. Só que – noves fora – acaba se aplicando também a todo e qualquer namorar de mão dada, namorar de beijo a leste-oeste-norte-sul, namorar de aliança no dedo, namorar de almoço na sogra, namorar até de lista de casamento na Leader e papel passado e engomado. Todo mundo sabe dizer se namora; ninguém pode jurar de pé juntinho que é namorado em retribuição. Namorar acontece de ser coisa que se faz sozinho. Namorar acontece de ir transitivo direto e voltar intransitivo.
Para namorar, deve-se estar em ponto não apenas de apaixonamento (que isso é mais fácil e mais rude), e sim de admiração. Deve-se ter n’alma algum cantinho de eunuco ou de gueixa, sempre em vias de descobrir e saciar a vontade ínfima. Deve-se ter por dentro, igualmente, o gigante que protege e a pelúcia que se abandona, o doutor que instrui e o fã que se ajoelha. Deve-se guardar a capacidade de ficar horas e horas embevecido no cabelo, no perfume, na memória, nos projetos que se apresentam douradinhos. Deve-se dar de comer a um projeto – bom para ambos, sorridente a ambos, e não posse exclusiva de um dos sonhadores. Deve-se amar um futuro em que caibam os dois juntos, não colados, nem somente atados por benefícios; um futuro que os abrigue unidos sem deixar perna ou braço de fora.
Não namora o outro quem não se vê em estado de pertencimento, preferindo o senso de apropriação. Não namora quem se admira em pupila alheia sem passar pelo resto do admirador. Não namora quem ignora aniversários, quem terceiriza lembranças, quem transfere a escolha de presentes numa suprema indiferença à chance de derramar-se em ternura. Não se namora sem ternura. Mesmo a atração mais urgente, mais selvagem – ou esta principalmente – não subsiste sem um alicerce de delicadeza, sem uma preocupação geral, um indício de que se pensa além de si, de que se está atento também ao que não se é. Namorar é isto: atentar acolhedoramente para o que não somos. Não querer impressionar de maneira ininterrupta, ao menos não unilateral, mas abrir-se aos pequenos encantamentos de outrem; às pequenas (linda palavra!) idiossincrasias. O não-namorar é bastar-se. Contentar-se consigo, estando ou não acompanhado. Namorar é emprestar-se generosamente às surpresas de outro mundo.
É pousar todo dia na lua predileta e dar novos, grandes saltos em sua própria humanidade.
Para namorar, deve-se estar em ponto não apenas de apaixonamento (que isso é mais fácil e mais rude), e sim de admiração. Deve-se ter n’alma algum cantinho de eunuco ou de gueixa, sempre em vias de descobrir e saciar a vontade ínfima. Deve-se ter por dentro, igualmente, o gigante que protege e a pelúcia que se abandona, o doutor que instrui e o fã que se ajoelha. Deve-se guardar a capacidade de ficar horas e horas embevecido no cabelo, no perfume, na memória, nos projetos que se apresentam douradinhos. Deve-se dar de comer a um projeto – bom para ambos, sorridente a ambos, e não posse exclusiva de um dos sonhadores. Deve-se amar um futuro em que caibam os dois juntos, não colados, nem somente atados por benefícios; um futuro que os abrigue unidos sem deixar perna ou braço de fora.
Não namora o outro quem não se vê em estado de pertencimento, preferindo o senso de apropriação. Não namora quem se admira em pupila alheia sem passar pelo resto do admirador. Não namora quem ignora aniversários, quem terceiriza lembranças, quem transfere a escolha de presentes numa suprema indiferença à chance de derramar-se em ternura. Não se namora sem ternura. Mesmo a atração mais urgente, mais selvagem – ou esta principalmente – não subsiste sem um alicerce de delicadeza, sem uma preocupação geral, um indício de que se pensa além de si, de que se está atento também ao que não se é. Namorar é isto: atentar acolhedoramente para o que não somos. Não querer impressionar de maneira ininterrupta, ao menos não unilateral, mas abrir-se aos pequenos encantamentos de outrem; às pequenas (linda palavra!) idiossincrasias. O não-namorar é bastar-se. Contentar-se consigo, estando ou não acompanhado. Namorar é emprestar-se generosamente às surpresas de outro mundo.
É pousar todo dia na lua predileta e dar novos, grandes saltos em sua própria humanidade.
5 comentários:
poxa Fernanda, muito belo o seu texto,as pessoas muitas vezes não conseguem olhar, como seu jorge fez, para o namoro de uma forma mais brincalhona de paquera ou de uma forma mais poética como vc fez, agora, uma coisa eu tenho que discordar "não se namora pessoas que esqueçam aniversários?" não foi alguma coisa assim que disse no meio do texto? eu discordo, eu vivo no mundo da lua, não sou como a maioria das mulheres, eu sou completamente esquecida de datas, mesmo com o face me lembrando... e os homens com quem já me relacionei também desligadérrimos numas coisas, então o que seria de nós?rs
um abração.
blog continua muito bom, gosto de passar por aqui.
gostei muito do texto mais um belo
texto por sinal,parabéns.
muito bonito o texto, vc consegue mesmo descrever a sensação de namorar, estou casado a 15 anos e namoro minha mulher sempre. Quanto ao esquecimento de datas, eu concordo com a kelly, também vivo voando por aí e as vezes esqueço, contudo sempre fica uma enorme culpa, o que eu acho que faz parte da sensação de paixão.
abs
Namorar não é só beijar na boca. Namorar é pegar nas mãos, é brincar, é rir um do outro, é olhar nos olhos. Ameeei seu texto.
Eu gosto muito a letra dessa música do Seu Jorge *-* Deu vontade de ouvir ela agora. Adorei seu post, e concordo com tudo que você disse. Para namorar não precisa ser só a parte carnal e sim um olhar, um sorriso que já basta.
Beijos,
Monique <3
Postar um comentário