quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Dias que não


Há dias que não, simplesmente não. Um não que não mora necessariamente no que acaba sendo de maneira torta, mas no que de toda maneira deixa de ser: a vontade geral que resmunga e dá de ombros, o apetite que não suspira por nada e faz cara de aceitação indiferente, o sono que nem se concilia nem deixa de pesar nas pestanas, o fastio que muxoxa toda leitura e todo programa, todo assunto e toda tarefa, toda iniciativa e todo ensaio. São uns dias imprecisamente tristes, ou nem tristes, mas ocos por angústia vaga – dias que não inspiram e que correm se-empurrentos, ao mesmo tempo rápidos demais para todas as obrigâncias que flutuam feito minifatalidades. Dias neblinos.

Hoje é um dos tais, dum cinza-qualquer-coisa e uma impressão exausta que vem mezzo de sono indormido, mezzo de sonho perturbador, confuso, irritante como aqueles episódios do Pica-Pau com protagonista esbugalhado e claramente cocainômano. Não sinto cores ao escrever, nem especiais sabores, nem músicas (que em geral, aliás, me perturbam o juízo tocando no modo randômico de dentro); sinto uma fadiga de gente atrasada, tão atrasada que beira uma resignação sonolenta e simplesmente vai porque tem de ir, anda porque tem de andar. Sinto como uma vontade debruçada em janela de avião quando há apenas branco, branco, branco do lado de fora, enjoado, tedioso, despaisajado, cheio de constantes desestímulos e de simultâneas insuficiências para se qualificar de tristeza; não é tristeza, é funcionamento mental em regime burocrático, é uma carimbação de papel psicológica. Não se anima nem para o desfastio.

É interessante que possamos nos dizer assim sem que nos diagnostiquem uma depressão supurante (que, prometo, não é o caso): ter a liberdade de um ou outro dia de platitudes e compreender docemente que são normais as visitas dessa mansa desmotivação. Já sou de natural remansosamente melancólico, que é o jeito de estar também permanentemente alegre sem muita fadiga; nessa toada, encarar vez ou outra um recolhimento da energia não é desesperador nem exige reação de urgência, é apenas algo a receber um autoabraço solidaríssimo, um aceno cordial. Acontece, existe, passa – é belamente humano, e o humano por sinal rebentaria se habitasse os píncaros todas as horas. Um dia não, sem exaspero, pode muito bem ser incubadora oxigenada dos dias sim.

Sem ai-de-mim.

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