sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Simples assim


Uma aluna veio pedir conselhos sentimentais, com essa fé ainda mágica que adolescentes de 13 ou 14 anos têm na visão adulta. Tímida e bem-humoradamente como é seu costume, comentou que gosta de uma menina mas se sente muito aflita, já que a crush em questão anda conversando demais com um garoto e ela, minha aluna, teme que os dois acabem namorando; ao mesmo tempo, não sabe como interpretar os "te amo" que a outra guria lhe envia todo dia ou noite: afinal é amor ou amizade? Eu, que de toda a treta triângula só conheço uma ponta, não tinha lá muito como opinar – sugeri apenas que a menina (reservada em excesso para ser direta) procure, de início, sondar a outra a respeito dos sentimentos pelo moçoilo, sem comprometer-se; se houver realmente uma atração entre as duas pontas de lá, fica o não dito pelo não dito e paciência. Superconcordo não ser a atitude mais valente, mais arrojada, porém falei com a sinceridade de quem faria precisamente isso em minha cautelosa introversão: sentir o terreno antes de me expor de alguma forma. Na falta de qualquer base psicológica, só me saiu do cinto de (in)utilidades uma honestidade absoluta.

O que me deixou encantada, no entanto, foi a naturalidade com que a aluna expôs o drama adolescente, sem um mísero segundo de autoestranhamento pelo fato de estar interessada numa menina; que lhe importa? importa que a pessoa de seu interesse lhe corresponda, em vez de entabular namoro com um terceiro – os gêneros dos vértices envolvidos simplesmente não entram em questão. Uma tal leveza, quase impensável há coisa de dez anos, tem transbordado muito e muito dessa geração mais nova, visivelmente menos estressada com supostas determinações externas a respeito de orientação sexual e identidade de gênero; está longe, é certo, de haver tranquilidade pleníssima, em especial no embate com o povo mais velho (não faltam famílias a continuar inaceitando os selfs que despontam), mas a mudança é clara, substancial e – acredito – irreversível. Ir-re-ver-sí-vel apesar das hordas furiosas que bufam de perder o controle dual sobre o mundo; irreversível apesar dos recalques que espumam, dos pavores e raivas não psicanalisados que babam sua frustração. Os tempos: não há controlar-lhes os ventos.

Quem está em sala de aula e observa os neojovens já deve ter notado que o que vem por aí são pessoas mais tranquilas com relação às diferenças de todo tipo – até porque o número de alunos incluídos entre os neurotípicos tem subido bastantemente –, pessoas com mais referências midiáticas para entender o que sentem, pessoas menos engessadas em ous, menos ocidentalmente maniqueístas, menos intimidadas em expressar-se, em ousar no look, em assumir suas vontades. É perfeito? Eeeeita, muito aquém disso; porém estamos caminhando com passos que se alargam de um ano para o seguinte. No girar maciinho do planeta, o sapiens esperadamente evolui, desfaz-se de cismas caducas, de preconceitos vários, e quanto maior a altitude do salto – mais azul e simples o panorama fica.

A gente é que (ainda) complica.

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