segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Good-vibeísmo


Claro, ninguém quer ou merece ficar na órbita de gente ranzinzeira, que arranja três torós pra cada nesga de céu azul – gente que faz campeonato de sofrimento, que gruda feito dementador nas conversas, que manda a energia pras cucuias, que desoxigena qualquer ambiente com sua insistência em desencorajar iniciativas e azedar resoluções. Vade retro, eu, hein; carrapatize outro. Agora: por acaso tem coisa mais enervante que a versão oposta, o good-vibeísmo que GALOPA sobre o sagrado direito de não estar bem? Chega a haver plaquinhas absurdas de decoração que determinam "Good vibes only" para os que adentram o recinto, algo provavelmente escolhido com inocência individual, mas promovido por uma neurose coletiva detestável. "Good vibes only" é o teu nariz, plaquinha mocreia; não há ser humano possível que se sustente de boas com uma frequência tão comprida, e, mesmo que sustente a aparência, não pode responder pela vibe que emana, a não ser que tenha alcançado frieza de androide ou elevação de monge do Tibete.

Convenhamos, um Homo sapiens com um mínimo de informação e taxa zerada de psicopatia não haverá de andar good-vibing no Brasil atual, este epicentro de horror que nos suga a alma como um guarda de Azkaban. A consciência de que 'stamos em pleno mar ainda e sempre, embora já tenhamos mudado algumas vezes de século; a exaustão no trato com pessoas doidas, desvairadas, alucicrazy que veem o diabo em tudo, menos onde (e em quem) ele mora; o cansaço de variante emendada em variante, antivax atrás de antivax, disparate sobre disparate, inflação puxando inflação, fake news and more fake news – tudo se junta em complô para nos adoecer feio, para nos enlouquecer se bobear. Desconfio, inclusive, dos improvavelmente sãos, e desconfio em especial dos inalteravelmente felizes; NINGUÉM que tenha acesso a informações e viva nesta bagaça sem ser quaquilionário (se for quaquilionário não é desconfiança, é certeza) pode manter sorriso perene e sinceríssimo e, ao mesmo tempo, um caráter impoluto. Se é são e gente boa não há de estar alegre, se está sempre alegre e é gente boa não é são; se é são e está sempre alegre... lamento, mores, mas digamos seja no mínimo deslizante para um universo de indiferença onde nada coletivo sangra, nada dói, nada – além do perfilzito bombante no Insta – importa. Good-vibes-onlying é atividade que se indispõe com a menor faísca de vida (real).

O que quer dizer escondidamente a famigerada plaquinha exposta? Que: não venha me amolar com papo de política, não quero saber, acho mais macio considerá-los todos iguais; nada também de vibração de doença, somos jovens e vamos carpe-diar adoidado; também nadinha de suas noias de depressão, ansiedade e aparentadas, leva isso pra lá, aqui é zoeira na veia. Evidentemente não sou contra zoeira, sou além disso 100% a favor de fofura explícita e gratuita, e compartilho de umas e outras todos os dias – porém não compartilho nem entendo que se possa compartilhar ONLY. Only o engraçado, only o bonitinho, only o descompromissado e inconsequente sem indignações, sem preocupações, sem revoltas, sem inseguranças emocionais e financeiras, sem pulsação, como o cachorrinho do meme que sorri sua tranquilidade histérica no meio do incêndio. É hilário o meme? é hilário, mas não se o cachorrinho em questão é o amigo/parente gratiluz que não mantém olhos nos olhos porque NÃO quer ver o que você (pensa, sente, sofre,) faz.

Com o coração em serviço não há quem passe bem demais.

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