
Tendo a concordar com o velho Almeida. Se mentimos pouco com os olhos (explica o autor), é que falamos pouco com eles – tão limitados de recursos são. E mesmo não é com a voz que mentimos muito, bem o diz Manuel Antônio; não é com o suporte, e sim com o conteúdo. Com as palavras danadas. Mentimos com as nossas escolhas verbais, com as historinhas inventadas, com as desculpas cretinas, com os arrependimentos insinceros. Com a voz, o timbre, é impossível. Quando é que meliantes passam no teste do polígrafo, o popular “detector de mentiras”? Quando dizem verdades. Quando acreditam piamente na versão que desenvolveram de encomenda para a ocasião. É porém algo breve, desmanchável; e em outro qualquer momento, passada a tensão, a voz do sujeito vai recordar e denunciar sua verdade primeira, livre das análises de estufa. Ainda que a má palavra sequestre a voz e a faça refém, esta treme, levanta, gagueja, se agita, ergue o tom como quem ergue os braços para dar sinal de não estar na posse de si. Mentir perfeitamente é complicado porque (espera uma distraçãozinha só!) o timbre mete spray de pimenta na lorota que é obrigado a sustentar. Voz é ama-seca que nos acompanha pela existência a fio, fiel em tentar impedir que sejamos violentados por nós mesmos.
Não sei se tem a ver com essa verdade indisfarçável que se entorna na fala, mas há uma particularidade entre mim e as vozes alheias. Algumas me hipnotizam no bom sentido; tocam num ponto G da cabeça, feito um do-in sonoro, e me fazem desabar de relaxamento imediato. Nada tem a ver com gostar ou não da pessoa em especial. Não passa por lógicas sentimentais. Acontece de eu apenas estar no ambiente e ser invadida por um dito em determinada frequência, seja quem seja, e então os olhos tombarem no mesmo segundo, amaciados de sono. Estranho; no entanto, é preciso reconhecer: existem criaturas com quem mal posso conversar sem bocejar alegremente. Alegremente, sim. Pessoas que devem guardar algum quê felpudo onde as emoções fazem a curva, por emitirem um perfume fonético que me abraça numa redoma. É um pressentimento, uma revelação ou um perigo.
Outro viva às vozes veladas, veludosas vozes, volúpias de violões que andam voando no mundo e virando (sa)fadamente nosso juízo, como almofadas que nos derrubam à covardia.
Para a nossa alegria.
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