Hoje um dos meus grandes, primeiros amores faz 130 anos: o impossível Monteiro Lobato. Por sua causa, 18 de abril foi escolhido o Dia Nacional do Livro Infantil. Que outra data poderia haver? Lobato foi inédito em crer que a (ainda) receptiva esperteza das crianças seria público mais aguçado que a turronice dos adultos. E então dedicou-se amorosamente não a agradar-lhes com bobagens coloridas (ou nem coloridas), mas a colorir seus leitores por dentro: fazer mundos onde pudessem crescer e educar-se entre serões; joelhos de vó em que pudessem escolarizar-se de sabedoria e lendas, gramáticas e mitologias; pomares, jardins, luas, labirintos, cozinhas e templos e bibliotecas, olimpos e águas claras em que pudessem nutrir-se de ambrosias e devidas reinações; anjos, sacis, leitões, barões, centauros, minotauros, príncipes e caubóis com quem pudessem rebentar-se de brincar a tarde inteira, desprendidos do mundo meramente possível. Lobato deu-nos bolinhos e jabuticabas, escamas e pernas de pau, planetas e ombros de Hércules para povoar a infância; e é do fundo dessa canastra de memórias perfumadíssimas, aqui no peito, que tiro os mais impronunciáveis agradecimentos. Foi com Lobato que comecei a suspeitar o que era embarcar a rotina num lindo e nosso balão azul.
É paixão herdada. Minha mãe recebeu de meu avô os livros amados que lhe embalavam as férias, e mais tarde, por sua vez, injetou-me a mesma loucura. Ganhei volumes em aniversários e Natais, pesquisei títulos para pedir de amigo oculto. Fazia parte das brincadeiras de julho, dezembro, janeiro encafifar-me em algum quarto, ou ficar ao ar livre em algum degrau, agarrada ao livro da vez numa delícia infinita. Que beleza aprender, sem saber, uma tonelada de mitos gregos (outro amor eterno plantado em mim pela turma do Sítio), geografias básicas e referências anteriores a minhas próprias décadas de vida! Que diversão ser politizada pela boca de Emília, pela fala desaforada de quem se espantava com as asnices adultas! Até hoje me espanto – tanto quanto ela se assombraria – ao ver desocupados tachando o autor de preconceituoso e reacionário, por culpa de um ou dois termos que deixam o mundo atual todo melindradinho. Anacronismo de maus, de péssimos leitores. Nada que não fosse perfeitamente combinante com as expressões da época. Esperar o contrário seria medir os 1900 pelos 2000; e, a buscar literatura que não afronte os mais escaldados, já teríamos tacado na fogueira todos os classicões do século XIX. Nunca a China teria soluçado as tragédias de nossa Isaura. É coisa de quem procura chifre em Burro Falante, ou de burro falante que procura chifre.
Digam o que disserem os ociosos, Lobato era a ternura humanitária na essência; era a deferência aos conhecimentos vários – do tempo em Dona Benta, do povo em Tia Nastácia, da ciência no Visconde de Sabugosa, da infância em Pedrinho e Narizinho, da liberdade em Emília. Era a alegria de crescer pensando. Era e é minha principal fonte literária de igualdades e fraternidades, meu principal ensinador de questionamentos, minha principal lenha de imaginações. E quem quer que ainda acredite em avós e sítios, em casamentos com peixes, em alianças de polvilho, em caramujos doutores, em Iaras e Pássaros Roca, em viagens ao céu, em reformas da natureza, em chaves do tamanho; quem ainda acredita em Brasil com petróleo, em menino levado brincando nas férias, em meninice levada feita com ensinamento e quitutes, em país feito com homens e livros; esse aí que acredita – ainda, sempre – no mais aconchegante dos teletransportes, aquele que nos desprende com segurança do mundo meramente possível, repita comigo devagarinho, saboreando, crendo e gritando da boca pra dentro:
Pir-lim-pim-pim.
É paixão herdada. Minha mãe recebeu de meu avô os livros amados que lhe embalavam as férias, e mais tarde, por sua vez, injetou-me a mesma loucura. Ganhei volumes em aniversários e Natais, pesquisei títulos para pedir de amigo oculto. Fazia parte das brincadeiras de julho, dezembro, janeiro encafifar-me em algum quarto, ou ficar ao ar livre em algum degrau, agarrada ao livro da vez numa delícia infinita. Que beleza aprender, sem saber, uma tonelada de mitos gregos (outro amor eterno plantado em mim pela turma do Sítio), geografias básicas e referências anteriores a minhas próprias décadas de vida! Que diversão ser politizada pela boca de Emília, pela fala desaforada de quem se espantava com as asnices adultas! Até hoje me espanto – tanto quanto ela se assombraria – ao ver desocupados tachando o autor de preconceituoso e reacionário, por culpa de um ou dois termos que deixam o mundo atual todo melindradinho. Anacronismo de maus, de péssimos leitores. Nada que não fosse perfeitamente combinante com as expressões da época. Esperar o contrário seria medir os 1900 pelos 2000; e, a buscar literatura que não afronte os mais escaldados, já teríamos tacado na fogueira todos os classicões do século XIX. Nunca a China teria soluçado as tragédias de nossa Isaura. É coisa de quem procura chifre em Burro Falante, ou de burro falante que procura chifre.
Digam o que disserem os ociosos, Lobato era a ternura humanitária na essência; era a deferência aos conhecimentos vários – do tempo em Dona Benta, do povo em Tia Nastácia, da ciência no Visconde de Sabugosa, da infância em Pedrinho e Narizinho, da liberdade em Emília. Era a alegria de crescer pensando. Era e é minha principal fonte literária de igualdades e fraternidades, meu principal ensinador de questionamentos, minha principal lenha de imaginações. E quem quer que ainda acredite em avós e sítios, em casamentos com peixes, em alianças de polvilho, em caramujos doutores, em Iaras e Pássaros Roca, em viagens ao céu, em reformas da natureza, em chaves do tamanho; quem ainda acredita em Brasil com petróleo, em menino levado brincando nas férias, em meninice levada feita com ensinamento e quitutes, em país feito com homens e livros; esse aí que acredita – ainda, sempre – no mais aconchegante dos teletransportes, aquele que nos desprende com segurança do mundo meramente possível, repita comigo devagarinho, saboreando, crendo e gritando da boca pra dentro:
Pir-lim-pim-pim.
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