sábado, 21 de abril de 2012

Companhia sonora

Não, eu não gosto de Fórmula 1. Na verdade, abomino. Se já não aguento o futebol com suas humanices, com gente de carne e osso vestida de colorido sobre um verde quase bucólico – e com real possibilidade de um ou outro movimento ter beleza de pintura –, que dirá, ó céus!, a monotonia cinza de um esporte cheio de máquinas e vrrrrrrrrrrruns. Definitivamente não suporto. Mas deixei a televisão matinal sintonizada no treino de Fórmula 1. A TVzita da cozinha recusa-se a admitir que há outros canais além da Globo; só pega Globo, e para ficar ligada exigiu: Globo. Negocia nesses termos, a cretina. Pois bem. Veio o treino. Nem por um segundo me dignei a olhar para o cujo e até agora não sei quem levou a pole. Por que aceitei, então, que a antena me impusesse um programa desagradável? Confesso. Companhia sonora.

E olha que prezo (prezo muitíssimo) o silêncio. Amo-o, para dizer de modo mais dramático. Mas isso quando me vejo mergulhada em necessários pensamentos, reflexões mais úteis e alongadas ou flagrante delito de escrita. De outras vezes, enquanto a cabeça está suficientemente erma – sem trabalho que não os automáticos, mecânicos –, pede um preenchimento de jeito que beira a solidão. E já que nunca tive paciência para rádio (considero música algo a ser ativamente escolhido e ativamente escutado, sem indiferença), quem é recrutado? a TV. Também porque é mais fácil selecionar companhia sonora em graus distintos. Para os momentos em que me bate a fome de fazer parte do mundo, com maior carência de abraços vocais, o interessante são programas de auditório; ou até, no desespero, jogos de aborrecido futebol – ao menos têm torcida, e são ao vivo. Há instantes de querer o calor do ao-vivo, mas sem tamanha animação e com vaga impressão de conteúdo: aí entram os jornais da Globonews. Que beleza ignorá-los consciente de que, no minuto seguinte, algo palpitante pode tomar-me de volta! Existe ainda uma terceira necessidade específica: a da companhia sonora ficcional. Quando precisamos ter a impressão, oposta às outras, de estarmos cuidando de nossos afazerezinhos em alguma dimensão que escapa à velha realidade. E, então, nada melhor que um filmito rolando. Um ótimo filme para não ser visto, tolerável porém irrelevante. Ou daqueles cujos diálogos já recitamos. Importante é que a história nos sintonize no canal desejado.

Porque companhia sonora é isso: modalizador da gente. Um confirmador para o humor que já trazemos, humor que não quer (ou não pode) expandir-se em conversas, ao mesmo tempo em que carece aconchegar-se na presença humana. É o ato de ter alguém portátil, que não questiona o silêncio de nossa parte como retaliação ou diminuição de afeto. É o ato do ouvir longínquo de quem pode, volta e meia, se concentrar em ouvir-se. Sem perguntas. Sem urgentes interações. A plena liberdade de pertencer sem participar, que – em uma ou duas gotinhas por dia – tanto nos conforta.

(Claro, claro, nada substitui o conforto da boa companhia presencial; a que nos acolhe e modaliza, calmamente nos constata ou gentilmente nos manipula, influenciando-nos conforme a nossa vontade, exatinho. Nessas, o que ainda falta é virem a nascer com controle remoto. Just in case.)

Um comentário:

OGROLÂNDIA disse...

Descobri que somos opostos na questão sonora! Enquanto você ama o silêncio, eu tenho fobia do mesmo! Nada me exaspera mais do que um ambiente silencioso. E se há silêncio em excesso eu acho uma forma de vencê-lo, e parafraseando o futebol que você tanto ama (heheheeh), de goleada!!!
Para não dizer que só achei noções opostas na postagem, compartilho sua opinião sobre a F1...que chatura.