E é sempre exatamente assim. Quando ninguém está olhando. Quando a faxineira passa aspirador na sala e o marido faz a sesta no quarto, quando o pessoal da seção atende um cliente ou digita o último relatório, quando você mesmo descansa olhos indiferentes em cima da novela, aí vem: bum. Um “de repente” de vontade nova. Uma luzita piscando no fundo de sua desatenção noturna. Um clarão, depois.
No meio de coisa nenhuma, no meio da invisibilidade dos dias; no momento não agendado com plateia, mas espantoso e espantado de si próprio – é nesse momento que a pedra finalmente rola, que seu velho túmulo abre sem discursos, sem cerimônias ou faixas cortadas. É nesse momento que os chumbos amarrados na perna caducam, que as coleirinhas de ferro rebentam, que as algemas tão muito familiares têm infarto fulminante. Morte súbita. Sem repórteres. Sem testemunhas.
Num pensamento que não é pensamento – de tão breve, foi mais suspirado que raciocinado –, a consciência do amor já antigo o invade, e o medo de casar pula da janela. Num exato segundo que por dentro dura meia hora, o trauminha embalado há vinte anos dá o último respiro. Num relâmpago de susto, a decisão de investir naquela viagem (ou carreira, ou pessoa, ou imóvel) explode sem ser notado seu paradeiro original. Não mais que repentinamente, o muro tão sólido desmancha no ar; a mágoa se prova desbotada e o perdão é concedido, caudaloso e como que assombrado de sua mesma demora. Todos os receios e rabugices, todos os ressentimentos e revoltas, todos os nós atados, todas as correntes soldadas, todas as pequenas mortes com tanto esmero e tempo construídas – tudo implode num sopro ou soco de vida, violento; num atropelo de luz. Nada de placa anotada. Enquanto o mundo via televisão, enquanto o planeta lavava roupa. Enquanto você (achava que) dormia.
Diz Drummond que “amor foge a dicionários/ e a regulamentos vários”. Foge também, principal e rimadamente, a calendários; a sede amorosa de tudo, aquela que se opõe a finais e desistências, irrompe entre um subir e um saltar de ônibus. Não precisa de dia-múltiplo-de-cinco nem aniversário simbólico, nem data de efeméride, já que é a efeméride em si mesma. Quando menos se espera – vive-se.
No meio de coisa nenhuma, no meio da invisibilidade dos dias; no momento não agendado com plateia, mas espantoso e espantado de si próprio – é nesse momento que a pedra finalmente rola, que seu velho túmulo abre sem discursos, sem cerimônias ou faixas cortadas. É nesse momento que os chumbos amarrados na perna caducam, que as coleirinhas de ferro rebentam, que as algemas tão muito familiares têm infarto fulminante. Morte súbita. Sem repórteres. Sem testemunhas.
Num pensamento que não é pensamento – de tão breve, foi mais suspirado que raciocinado –, a consciência do amor já antigo o invade, e o medo de casar pula da janela. Num exato segundo que por dentro dura meia hora, o trauminha embalado há vinte anos dá o último respiro. Num relâmpago de susto, a decisão de investir naquela viagem (ou carreira, ou pessoa, ou imóvel) explode sem ser notado seu paradeiro original. Não mais que repentinamente, o muro tão sólido desmancha no ar; a mágoa se prova desbotada e o perdão é concedido, caudaloso e como que assombrado de sua mesma demora. Todos os receios e rabugices, todos os ressentimentos e revoltas, todos os nós atados, todas as correntes soldadas, todas as pequenas mortes com tanto esmero e tempo construídas – tudo implode num sopro ou soco de vida, violento; num atropelo de luz. Nada de placa anotada. Enquanto o mundo via televisão, enquanto o planeta lavava roupa. Enquanto você (achava que) dormia.
Diz Drummond que “amor foge a dicionários/ e a regulamentos vários”. Foge também, principal e rimadamente, a calendários; a sede amorosa de tudo, aquela que se opõe a finais e desistências, irrompe entre um subir e um saltar de ônibus. Não precisa de dia-múltiplo-de-cinco nem aniversário simbólico, nem data de efeméride, já que é a efeméride em si mesma. Quando menos se espera – vive-se.
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