Soube pelo Jornal Nacional que o governo de Santa Catarina investiu numa bonita campanha, Laços de Amor. Tem o objetivo de convencer pais e mães potenciais a adotarem crianças com mais de três anos, contrariamente à tendência de se levar para casa um bebezito zero quilômetro. Apoio a medida sem restrições, e com entusiasmos de admiração por quem decide dar família a filhos já crescidos, taludos e fornidos. Babo pelo exercício da maior de todas as adoções: aquela em que existe menos a chance da manipulação unilateral, e mais a luta (renhida) do encaixe amoroso.
Porque é esse nosso grande conforto, nossa inconfessa ambição; fazer o outro – sobretudo o herdeiro, a sequel, nossa continuação natural e emissário enviado ao futuro – à nossa imagem e semelhança. Pegar a tábula rasa, a folha em branco, a massa esponjosa de possibilidades e apertá-la qual massinha a nosso gosto de gênio, jeito, cor, time, partido, filosofia, escolha profissional e musical. Que sonho. Apetece-nos sempre muito mais (por óbvias razões, e coerentes) torcer a planta a nosso molde do que corrigir a base antiga, malfeita. Receber o aluno sem rascunhos, sem errados ensinamentos colados na crença; receber o jogador sem traumas e vícios, fresco de corpo e de entendimento; receber a bailarina de coluna e pés virgenzinhos, prontos a vergar-se nas direções apontadas – eis o truque. Poupa tempo e paciência não ter de recobrir alguém de esforço e amor retroativos, mas, ao contrário, crescer um amor de estufa, ao menos de nossa estufa pessoal, afiliada a um infinito particular. Ser espectador e professor de todas as primeiras vezes.
Somente no achômetro, sem qualquer base de ciência humana, arrisco supor que seja, talvez, por isso a convicção geral de que não existe amor tão incondicional como aquele havido entre pais e filhos. Há imenso querer e uma proteção faminta, doentia, sim; no entanto, ocorre também o afeto inevitavelmente espelhado do autor pela obra, do escultor pelo busto, do eu pelo eu 2, pelo minieu. Amamos, mas sem conseguir não fazer alguma colônia de povoamento. E daí nossas juras necessárias no altar – na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, no Vasco e no Flamengo, na concordância e na decepção –, daí nosso amuo ante o colonizado renitente, nosso enfado perante a constatação de que não há 100% de congraçamento possível entre dois seres oriundos, igualmente, de duas colonizações outras. Todo amor que não se conhece nem começa de berço é (em última instância) pura aventura, pura viagem de descobrimento. Todo amor não passa de uma adoção.
Meus parabéns renovados à campanha catarinense, e minha torcida. Que milhares de famílias principiem onde tantas terminam: no reconhecimento sincero de nossa mais absoluta não-onipresença.
Porque é esse nosso grande conforto, nossa inconfessa ambição; fazer o outro – sobretudo o herdeiro, a sequel, nossa continuação natural e emissário enviado ao futuro – à nossa imagem e semelhança. Pegar a tábula rasa, a folha em branco, a massa esponjosa de possibilidades e apertá-la qual massinha a nosso gosto de gênio, jeito, cor, time, partido, filosofia, escolha profissional e musical. Que sonho. Apetece-nos sempre muito mais (por óbvias razões, e coerentes) torcer a planta a nosso molde do que corrigir a base antiga, malfeita. Receber o aluno sem rascunhos, sem errados ensinamentos colados na crença; receber o jogador sem traumas e vícios, fresco de corpo e de entendimento; receber a bailarina de coluna e pés virgenzinhos, prontos a vergar-se nas direções apontadas – eis o truque. Poupa tempo e paciência não ter de recobrir alguém de esforço e amor retroativos, mas, ao contrário, crescer um amor de estufa, ao menos de nossa estufa pessoal, afiliada a um infinito particular. Ser espectador e professor de todas as primeiras vezes.
Somente no achômetro, sem qualquer base de ciência humana, arrisco supor que seja, talvez, por isso a convicção geral de que não existe amor tão incondicional como aquele havido entre pais e filhos. Há imenso querer e uma proteção faminta, doentia, sim; no entanto, ocorre também o afeto inevitavelmente espelhado do autor pela obra, do escultor pelo busto, do eu pelo eu 2, pelo minieu. Amamos, mas sem conseguir não fazer alguma colônia de povoamento. E daí nossas juras necessárias no altar – na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, no Vasco e no Flamengo, na concordância e na decepção –, daí nosso amuo ante o colonizado renitente, nosso enfado perante a constatação de que não há 100% de congraçamento possível entre dois seres oriundos, igualmente, de duas colonizações outras. Todo amor que não se conhece nem começa de berço é (em última instância) pura aventura, pura viagem de descobrimento. Todo amor não passa de uma adoção.
Meus parabéns renovados à campanha catarinense, e minha torcida. Que milhares de famílias principiem onde tantas terminam: no reconhecimento sincero de nossa mais absoluta não-onipresença.
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