Porque é esse nosso grande conforto, nossa inconfessa ambição; fazer o outro – sobretudo o herdeiro, a sequel, nossa continuação natural e emissário enviado ao futuro – à nossa imagem e semelhança. Pegar a tábula rasa, a folha em branco, a massa esponjosa de possibilidades e apertá-la qual massinha a nosso gosto de gênio, jeito, cor, time, partido, filosofia, escolha profissional e musical. Que sonho. Apetece-nos sempre muito mais (por óbvias razões, e coerentes) torcer a planta a nosso molde do que corrigir a base antiga, malfeita. Receber o aluno sem rascunhos, sem errados ensinamentos colados na crença; receber o jogador sem traumas e vícios, fresco de corpo e de entendimento; receber a bailarina de coluna e pés virgenzinhos, prontos a vergar-se nas direções apontadas – eis o truque. Poupa tempo e paciência não ter de recobrir alguém de esforço e amor retroativos, mas, ao contrário, crescer um amor de estufa, ao menos de nossa estufa pessoal, afiliada a um infinito particular. Ser espectador e professor de todas as primeiras vezes.
Somente no achômetro, sem qualquer base de ciência humana, arrisco supor que seja, talvez, por isso a convicção geral de que não existe amor tão incondicional como aquele havido entre pais e filhos. Há imenso querer e uma proteção faminta, doentia, sim; no entanto, ocorre também o afeto inevitavelmente espelhado do autor pela obra, do escultor pelo busto, do eu pelo eu 2, pelo minieu. Amamos, mas sem conseguir não fazer alguma colônia de povoamento. E daí nossas juras necessárias no altar – na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, no Vasco e no Flamengo, na concordância e na decepção –, daí nosso amuo ante o colonizado renitente, nosso enfado perante a constatação de que não há 100% de congraçamento possível entre dois seres oriundos, igualmente, de duas colonizações outras. Todo amor que não se conhece nem começa de berço é (em última instância) pura aventura, pura viagem de descobrimento. Todo amor não passa de uma adoção.
Meus parabéns renovados à campanha catarinense, e minha torcida. Que milhares de famílias principiem onde tantas terminam: no reconhecimento sincero de nossa mais absoluta não-onipresença.
Nenhum comentário:
Postar um comentário