quinta-feira, 12 de abril de 2012

Ao infinito e além

Há 51 aninhos, Yuri Alekseievitch Gagarin sacava a sua nave Vostok I e dava pinta pela órbita do planeta. Contava só 27 primaveras russas e foi o primeiro a viajar pelo espaço – viajar e assombrar-se, como bom menino que era: “A Terra é azul. Como é maravilhosa. Ela é incrível!”. Por causa do feito, 12 de abril virou Dia do Cosmonauta e Dia Internacional do Voo do Homem ao Espaço. Justíssimo. Se não anda nada fácil a gente se locomover de um ponto a outro do bairro, quanto mais pra riba da atmosfera. Né bolinho não. Tem de comemorar mesmo. Mas, sem querer de modo algum desmerecer o trabalho dos desbravadores do céu, dos ampliadores de fronteira humana, dos desafiadores de gravidade, vai um lamento aflito. Ainda há muito – há um mundo inteiro por bater e trilhar aqui mesmo, amplo, inóspito, mais aquém do além, adonde que veve os vivos. E não digo Sibéria, Ártico, Antártico, grutas morceguentas e campos onde se planta aurora boreal, não. Não digo o cânion abissal nem a mata embruxada, nem a savana em que se correr ou ficar o bicho come. Digo outra selva, povoada de outros bichos mas também salpicada de diferentes auroras, e tão igualmente desértica de fogo ou gelo, e tão igualmente fértil de ervas curantes e águas medicinais. Digo esse infinito que carregamos na cabeça, e por conveniência de romantismo retratamos no peito.

Por exemplo. Alguém me ajuda a povoar urgente, urgentíssimo, o pensamento ermo de eleitores que votam masoquistamente em quem os rouba, roubou e roubará? em quem só está ali de palhaçada, às vezes no sentido literal? Alguém me ajuda a desbravar a lógica dos amantes que se empenham em fazer-se odiáveis para os amados? Alguém me ajuda a desvendar o raciocínio dos passageiros que vão saltar daqui a 1.967 estações, porém fincam pé na porta do metrô para serem o mais sovados, amassados, pisoteados e achincalhados possível? Alguém me empresta uma nave portátil, de câmbio manual mesmo, capaz de penetrar nas ideias do aluno que viaja 43 quilômetros para chegar à escola e matar aula no corredor? Alguém me cede ferramenta para escarafunchar a cuca do vendedor que acha lucrativo perseguir o cliente pela loja? E dos que metem ferro no ambiente que os amamenta? E dos que fabricam filho para não o amamentar? para o atirar no lixo em vez de no colo dum amor adotivo? para o esquecer em nome do trabalho que é feito para sustentá-lo?

E as cismas? as neuras? as tolices? as vinganças? as manias? as paranoias? E sobretudo as cruezas, as crueldades? Quem vai tripular uma sonda aos nossos infinitos de ignorância, nossos abismos de maluquice, nossos confins de sem-nexo, nossas crateras de sem-noção, nossos espaços siderais – eternos – de desinteligência aguda? Quem nos escalará o topo das raivas gratuitas e botará luz nas cavernas ciumentas? Quem circunavegará nossos traumas oceânicos? Quem visitará nosso egoísmo indivisível? Quem aterrissará em nossos horrores virgens de todo contato?

Haveremos de. Em dia de chegarmos à última fronteira, de pisarmos onde nenhum homem jamais esteve – a comemoração maior, enfim. Talvez aí haja esperança, conserto, medicina. Seja momento de maravilha real, de exclamação sincera, toda trabalhada no alívio: a Terra é azul.

2 comentários:

Moonday Rain disse...

Adorei o conexão que você fez, usando o dia do Cosmonauta, Gagarin e pousar finalmente em nossa ignorância! Inteligentíssima.
De fato, certo tipo de pessoas morrerei sem entender, as frias, as egoístas, as que desistiram da vida... Sonho com o dia em que todo este povo (mais os hipócritas, mentirosos entre outros...) acordarão conosco e farão de uma vez por todas o mundo como ele vale a pena ser :\

Nuti disse...

Isso é tão Brechtiano!
O homem voa pelos ares, descobre máquinas, anda no espaço... e nem por isso o pão ficou mais barato!
O homem não ajuda o homem!






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