Hoje é dia de uma gente que admiro à pampa, e à qual já quis mesmo me unir em profissão: os desenhistas. O povo que, de uma folha qualquer, tira um sol amarelo, um castelo, luva e guarda-chuva, a Notre-Dame a bico de pena ou o submarino aquarelado, o horizonte num toquinho de carvão ou a caricatura do transeunte no último teco de giz. Que coração adivinhante pode saber, quanto o deles, as possibilidades residentes num papel em branco que chama, que não intimida, que não assusta? Que olhar tão sem covardia é capaz de lançar um traço a sudeste, outro a noroeste, um terceiro a bombordo e o quarto a estibordo, e com mais cinco ou seis retas ter a pachorra de uni-los todos numa beleza milagrosa, pressentida no meio do impossível? Quem, senão eles, tem visão de jogo bastante para brincar com o espaço que é incompreensível a tantos, para arrancar um tudo de um quase e aparente nada, para manipular as geografias misteriosas do vazio?
Alguns: os escultores, os tricotadores, os futebolistas. Sim. Mas há lentidão necessária na escultura, há demoras de visualização no tricô, há tão breve imaterialidade no gol feito de repente. Não no desenho. Seduz-nos justamente o combinado de rapidez e matéria, atrai-nos o imediatismo tornado palpável, guardável, acessível a nossa fome de colecionadores e a nosso encanto. Nosso encanto infantil, impaciente e sempre na beira de deixar-se maravilhar. Artistas de traço e de cor sabem o mundo de cor: armazenam-no em qualquer dobra da manga, tiram-no de qualquer cartola, possuem-no a tal ponto conhecido e memorizado no talento que bastam alguns segundos para um parto normal. Um zás! e nasce outro mundo feliz, filho do desenhista com este universo que com tantos flerta e a tão poucos fecunda.
Jamais consegui cumprir a paixão de infância – apesar de ser recordista, em casa e na escolinha, quanto ao número de riscos e rabiscos e coloriscos das mais várias espécies. Desenhava muito e sempre, e relativamente bem; mas desenhava sem a alma de quem inventa realidades, com o espírito de quem mais as complementa ou reproduz. Foi pouco. Amor insuficiente. Palavras (e suas cores metafóricas) venceram, em mim, o interesse do desenho. Mesmo assim, conservo Mãos mágicas como melhor lembrança de TV; permaneço com Maurício de Sousa e Quino numa prateleira especial do coração; e ainda me refiro ao adorável Daniel Azulay como o “Papai Zulay” de meus cinco-seis anos. Antes de tudo, envio gratidões ao avô pintor – também ilustrador – que não conheci, e que me deixou no sangue esse apetite pela forma. Esse respeito por quem sabe traduzir o mundo num idioma anterior às legendas.
Um viva aos senhores do simples. Que só carecem de um lápis na mão e dois minutos para tornar verdade a ideia da cabeça.
Alguns: os escultores, os tricotadores, os futebolistas. Sim. Mas há lentidão necessária na escultura, há demoras de visualização no tricô, há tão breve imaterialidade no gol feito de repente. Não no desenho. Seduz-nos justamente o combinado de rapidez e matéria, atrai-nos o imediatismo tornado palpável, guardável, acessível a nossa fome de colecionadores e a nosso encanto. Nosso encanto infantil, impaciente e sempre na beira de deixar-se maravilhar. Artistas de traço e de cor sabem o mundo de cor: armazenam-no em qualquer dobra da manga, tiram-no de qualquer cartola, possuem-no a tal ponto conhecido e memorizado no talento que bastam alguns segundos para um parto normal. Um zás! e nasce outro mundo feliz, filho do desenhista com este universo que com tantos flerta e a tão poucos fecunda.
Jamais consegui cumprir a paixão de infância – apesar de ser recordista, em casa e na escolinha, quanto ao número de riscos e rabiscos e coloriscos das mais várias espécies. Desenhava muito e sempre, e relativamente bem; mas desenhava sem a alma de quem inventa realidades, com o espírito de quem mais as complementa ou reproduz. Foi pouco. Amor insuficiente. Palavras (e suas cores metafóricas) venceram, em mim, o interesse do desenho. Mesmo assim, conservo Mãos mágicas como melhor lembrança de TV; permaneço com Maurício de Sousa e Quino numa prateleira especial do coração; e ainda me refiro ao adorável Daniel Azulay como o “Papai Zulay” de meus cinco-seis anos. Antes de tudo, envio gratidões ao avô pintor – também ilustrador – que não conheci, e que me deixou no sangue esse apetite pela forma. Esse respeito por quem sabe traduzir o mundo num idioma anterior às legendas.
Um viva aos senhores do simples. Que só carecem de um lápis na mão e dois minutos para tornar verdade a ideia da cabeça.
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