sexta-feira, 13 de abril de 2012

Aquele beijo

É fofa coincidência que a novela das 19h, cujo título roubei carinhosamente, termine no Dia Internacional do Beijo. Foi uma boa novela, correta ao menos – e subestimada, certamente. Uma coisa me chamou a atenção: que não tenha caído na estrutura fácil e besteirosa dos folhetins das sete, tantas vezes populares por investirem no riso tolo. O texto de Miguel, embora nem sempre me agrade em suas cores almodovarianas, anda cada vez mais amadurecido; doce, portanto. Fica, da história, o sabor apuradíssimo dos comentário em off do autor, da narração que merece todas as notas dez possíveis, por não duvidar da inteligência do espectador em apreciar citações de bambambãs vários – Robert Frost, Camões, Drummond, Bilac e ótimos etcéteras. Outro acerto: a abertura nostálgica, farta de homenagens a beijos de novelas modernas e antigas, num clima de Cinema Paradiso. Deixo a ela meu agradecimento e minhas ternuras.

Mas, ora bolas!, hoje é Dia Internacional do Beijo, e há claro absurdo em ficarmos discutindo televisão. Não é dia de beber os alheios; é dia de buscar os próprios. Só não acho lógica nenhuma em sair abatendo beijos pelas salas e salões, boates e barzinhos, blocos e trios. Em caçar faminto de quantidade, apenas. Parece sabe o quê? parece quem se lambuza de chocolate de segunda linha – aquele feito com pressa comercial, sem cuidado, sem artesanato, quase nada de cacau e muita gordura, pra vender às pencas sem entregar sustância. Assim o excesso de beijos colhidos na correria, pra matar o apetite imediato, desesperado, livre de critério: sacia mais que o necessário e deixa dor de barriga moral na despedida. Ataca só a fome corpórea, mas gera a saudade do quitute favorito. Denuncia o vazio específico. A viuvez seletiva. Beijar muito é um prazer e um luto; alegria instantânea e, ao mesmo tempo, renúncia ao gosto ideal, particular. Beijar o qualquer é dizer adeus ao único. Beijar os tantos é não se aperfeiçoar no último. No definitivo. No essencial.

Porque aquele beijo, assim com a voz em itálico, exige mais paciência que pesquisa. Raramente vai ser o vestido encontrado pronto, que cai como uma luva; será fatalmente o resultado de um ajuste, feito de alfaiate. Virá depois de uma prova, e outra, e outra, e estudos de encaixe, e puxa mais pra cá ou pra lá, mede de um lado e outro, pendura aqui ou ali um cetim, um veludo, um enfeite. Está muito sóbrio, precisa acrescentar algo de exagero; está muito over, carece retirar uns seis palmos de paixão furiosa e alinhavar carinho. Existe no beijo um prenúncio de sexo, justamente um teste de caimento, que não deve ser banalizado com a fartura inconsequente. Nossa métrica enlouquece com tanto estica-e-puxa, tantos diferentes cheiros e paladares e contornos e manias. Para preencher-nos, de fato, um número basta. Um que vai ter tempo de vestir-nos, ganhar cancha de adivinhar-nos. Vai ter tempo de nos ter, nos ser, de ser nosso. Do lábio ao céu. Além da boca.

Abusar da elasticidade amorosa cedo ou tarde nos arrebenta.

2 comentários:

Fabiana Farias disse...

Coisa mais linda é ler "com a voz em itálico". Parabéns, Fernanda.

Profª. Paloma disse...

Adorei!!!

Destaque para: "Beijar o qualquer é dizer adeus ao único. Beijar os tantos é não se aperfeiçoar no último. No definitivo. No essencial".
The best rs!
Beijos!