É fofa coincidência que a novela das 19h, cujo título roubei carinhosamente, termine no Dia Internacional do Beijo. Foi uma boa novela, correta ao menos – e subestimada, certamente. Uma coisa me chamou a atenção: que não tenha caído na estrutura fácil e besteirosa dos folhetins das sete, tantas vezes populares por investirem no riso tolo. O texto de Miguel, embora nem sempre me agrade em suas cores almodovarianas, anda cada vez mais amadurecido; doce, portanto. Fica, da história, o sabor apuradíssimo dos comentário em off do autor, da narração que merece todas as notas dez possíveis, por não duvidar da inteligência do espectador em apreciar citações de bambambãs vários – Robert Frost, Camões, Drummond, Bilac e ótimos etcéteras. Outro acerto: a abertura nostálgica, farta de homenagens a beijos de novelas modernas e antigas, num clima de Cinema Paradiso. Deixo a ela meu agradecimento e minhas ternuras.
Mas, ora bolas!, hoje é Dia Internacional do Beijo, e há claro absurdo em ficarmos discutindo televisão. Não é dia de beber os alheios; é dia de buscar os próprios. Só não acho lógica nenhuma em sair abatendo beijos pelas salas e salões, boates e barzinhos, blocos e trios. Em caçar faminto de quantidade, apenas. Parece sabe o quê? parece quem se lambuza de chocolate de segunda linha – aquele feito com pressa comercial, sem cuidado, sem artesanato, quase nada de cacau e muita gordura, pra vender às pencas sem entregar sustância. Assim o excesso de beijos colhidos na correria, pra matar o apetite imediato, desesperado, livre de critério: sacia mais que o necessário e deixa dor de barriga moral na despedida. Ataca só a fome corpórea, mas gera a saudade do quitute favorito. Denuncia o vazio específico. A viuvez seletiva. Beijar muito é um prazer e um luto; alegria instantânea e, ao mesmo tempo, renúncia ao gosto ideal, particular. Beijar o qualquer é dizer adeus ao único. Beijar os tantos é não se aperfeiçoar no último. No definitivo. No essencial.
Porque aquele beijo, assim com a voz em itálico, exige mais paciência que pesquisa. Raramente vai ser o vestido encontrado pronto, que cai como uma luva; será fatalmente o resultado de um ajuste, feito de alfaiate. Virá depois de uma prova, e outra, e outra, e estudos de encaixe, e puxa mais pra cá ou pra lá, mede de um lado e outro, pendura aqui ou ali um cetim, um veludo, um enfeite. Está muito sóbrio, precisa acrescentar algo de exagero; está muito over, carece retirar uns seis palmos de paixão furiosa e alinhavar carinho. Existe no beijo um prenúncio de sexo, justamente um teste de caimento, que não deve ser banalizado com a fartura inconsequente. Nossa métrica enlouquece com tanto estica-e-puxa, tantos diferentes cheiros e paladares e contornos e manias. Para preencher-nos, de fato, um número basta. Um que vai ter tempo de vestir-nos, ganhar cancha de adivinhar-nos. Vai ter tempo de nos ter, nos ser, de ser nosso. Do lábio ao céu. Além da boca.
Abusar da elasticidade amorosa cedo ou tarde nos arrebenta.
Mas, ora bolas!, hoje é Dia Internacional do Beijo, e há claro absurdo em ficarmos discutindo televisão. Não é dia de beber os alheios; é dia de buscar os próprios. Só não acho lógica nenhuma em sair abatendo beijos pelas salas e salões, boates e barzinhos, blocos e trios. Em caçar faminto de quantidade, apenas. Parece sabe o quê? parece quem se lambuza de chocolate de segunda linha – aquele feito com pressa comercial, sem cuidado, sem artesanato, quase nada de cacau e muita gordura, pra vender às pencas sem entregar sustância. Assim o excesso de beijos colhidos na correria, pra matar o apetite imediato, desesperado, livre de critério: sacia mais que o necessário e deixa dor de barriga moral na despedida. Ataca só a fome corpórea, mas gera a saudade do quitute favorito. Denuncia o vazio específico. A viuvez seletiva. Beijar muito é um prazer e um luto; alegria instantânea e, ao mesmo tempo, renúncia ao gosto ideal, particular. Beijar o qualquer é dizer adeus ao único. Beijar os tantos é não se aperfeiçoar no último. No definitivo. No essencial.
Porque aquele beijo, assim com a voz em itálico, exige mais paciência que pesquisa. Raramente vai ser o vestido encontrado pronto, que cai como uma luva; será fatalmente o resultado de um ajuste, feito de alfaiate. Virá depois de uma prova, e outra, e outra, e estudos de encaixe, e puxa mais pra cá ou pra lá, mede de um lado e outro, pendura aqui ou ali um cetim, um veludo, um enfeite. Está muito sóbrio, precisa acrescentar algo de exagero; está muito over, carece retirar uns seis palmos de paixão furiosa e alinhavar carinho. Existe no beijo um prenúncio de sexo, justamente um teste de caimento, que não deve ser banalizado com a fartura inconsequente. Nossa métrica enlouquece com tanto estica-e-puxa, tantos diferentes cheiros e paladares e contornos e manias. Para preencher-nos, de fato, um número basta. Um que vai ter tempo de vestir-nos, ganhar cancha de adivinhar-nos. Vai ter tempo de nos ter, nos ser, de ser nosso. Do lábio ao céu. Além da boca.
Abusar da elasticidade amorosa cedo ou tarde nos arrebenta.
2 comentários:
Coisa mais linda é ler "com a voz em itálico". Parabéns, Fernanda.
Adorei!!!
Destaque para: "Beijar o qualquer é dizer adeus ao único. Beijar os tantos é não se aperfeiçoar no último. No definitivo. No essencial".
The best rs!
Beijos!
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