quarta-feira, 25 de abril de 2012

Se eu morresse amanhã

Faz hoje 160 anos que morreu Álvares de Azevedo – dos poetas afobados em morrer, o mais precoce. 21 anitos incompletos; não sei bem se plenamente vividos. Azevedo entornou-se a tal ponto em alguns dos versos mais exasperados, mais transpirados da língua, que era natural não haver sangue e nervo que chegasse para além de duas décadas, e olhe lá. Era morrer ou explodir. Morreu, a criança; morreu depois de explodir-se em belezas como “Se eu morresse amanhã, viria ao menos/ Fechar meus olhos minha triste irmã;/ Minha mãe de saudades morreria/ Se eu morresse amanhã!”.

Coincidiu tristemente, com esse aniversário de óbito do poeta, a descoberta dos corpos daqueles jovenzinhos do Espírito Santo – tão novos e pululantes como Azevedo. Cinco passamentos de uma vez, com duplo doer: da perda inesperada e da mocidade perdida. Não deu outro assunto. Colegas meus de trabalho relembraram casos assim, de morte acachapante, estúpida, que colhe num zás-trás. Uma recordou o pai de uma amiga, morto dormindo após um dia de absolutas normalidades; outra lamentou uma velha professora de piano, com quem tivera aula ainda na tarde a que se seguiu sua morte. Tudo muito rápido, muito impressionante. Uma piscada e foi. Com que então! o Fulano, tão vivo há coisa de dois minutos, como é que morre assim e não avisa nada!... Soa a desfeita, soa a malfeito, mas é o que é: natureza nossa; feita, só, e acabou-se. Como deve ser.

Assim deixamos de ser: entre uma aula e uma noite. Entre um sonho e o seguinte. Entre a viagem e a festa. Num vapt, num vupt, antes de acabar um pirlimpimpim. Terá bafejado a cabecinha dos cinco viajantes, do pai da amiga, da professora de piano: “Se eu morresse amanhã”? Terão sequer mastigado essa possibilidade, tão possível como a de tomarem o próximo café da manhã vendo Bom dia, Brasil? Terão em algum segundo considerado – que tolice a minha – o fato de não dormirem, se erguerem, comerem feijoada ou andarem de bicicleta com a onipotência de seres eternos? Portanto: terão feito as convenientes despedidas? as necessárias pazes? suficientes perguntas? adequadas declarações? Terão escolhido com sabedoria e doçura as últimas palavras? Terão tirado a dúvida dos que tão bem lhes queriam – a dúvida de serem ou não amados? Terão reunido provas bastantes de a vida valer a pena, fornecido provas bastantes de sua vida valer a pena a tantos outros? Terão sido felizes em seus presentes, em seus conformes, ou projetado felicidade para tempos incertos? Terão inutilmente estocado sonhos? Terão fulminado de tédio os dias que vieram gratuitos? ou feito deles escada, ponte, aeronave, passaporte? Terão partido com alma de dentes escovados, mala arrumada, bainha pronta? Terão ido sem arestas?

Se nós morrêssemos amanhã, que não deixássemos nenhum engasgo. Não fosse nem peso, nem alívio. Fosse, apenas; natural como os bons finais de filme, redondo como o livro que fecha as pontas, só algo triste (mas leve) como o hóspede que fecha as contas. Na suavidade de quem acaba as férias e torna à casa que ama. Mesmo sendo em jatinho expresso. Súbito. Num susto.

Importante é que, dentro, nunca seja de repente.

2 comentários:

Fábio Flora disse...

Coisa linda.

OGROLÂNDIA disse...

textos sempre envolventes.
dizem que não se pode deixar para depois o que se pode fazer hoje...mas se tem uma coisa que quero deixar bem pra depois é morrer!