segunda-feira, 14 de maio de 2012

Antes só

Li num cartum de Facebook uma belezura poética: “Eles eram um só. Agora são dois sós”. É triste, mas compensa com aquela maravilha de síntese, com aquela habilidade verbal que seduz a gente para as cabeças iluminadas. Não é isso, enfim? há casais, tantos, que principiam a junção sem exatamente se aproximarem: se atracam. Em lugar do estudo cuidadoso de terreno, da fascinação pausada e sensata de quem se chega e aconchega mas não se gasta, nem se põe em carne crua, existe a ligação imediata, excessiva, incondicional, furiosa. Vampiresca. Não há amor, há pressa. Uma pulsão doentia de cada um enxertar um apêndice em si mesmo, ou usar o outro como sonoterapia: amortecer ali sua própria personalidade, derramar-se e esquecer-se inteiro, momentaneamente isento de impostos, emprego, família e responsabilidades afins. Pode dar certo? Não pode dar certo. O segundo um dia lembra que não é piscina para submergir o primeiro, nem pasta para arquivá-lo, nem canibal para devorá-lo. Enjoa de ser incubadora, apavora-se com a perfeição fingida e forçada. E se evade de quem o invade. Evade-se necessariamente em algum momento, quando vem a fome ancestral de sair da história (de fadas) para entrar na vida.

Às vezes este segundo – o mais angustiado com a relação xifópaga – não se evade de corpo. Permanece fisicamente, por piedade ou preguiça. E no entanto perdeu, de tal forma, a alegria da contiguidade que “permanecer” passa a ser ofertar ao outro o incômodo de um cadáver sendo arrastado. O segundo não parte e não fica. Não rompe e não ama. Não tem a generosidade difícil de ceder ao primeiro o benefício do luto; prefere o fácil egoísmo de não assinar o óbito. Vira uma relação de inimigos algemados, o ressentimento de quem se vê traído no ideal platônico e o tédio de quem se acha atado à sua pena – com duplo sentido. Uma troca de decepção por cansaço, de cobrança por desinteresse, de paixão por compaixão. Namoro de dois eus sozinhos.

Antes (efetivamente) só – desta “solidão” que merece aspas por ser, na realidade, campo de cultivo de novos futuros. Antes a solidão aspada e fértil que a companhia falsa do coração tornado zumbi, do parceiro compulsório, da presença ausente. Antes terra arada e vazia que plantação ora existente e seca.

Amor é para dois sóis.

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