segunda-feira, 7 de maio de 2012

Uma vida em segredo

Hoje é dia dele – que amo com tanta gratidão na presença e, na ausência, com tão desesperada saudade. Dia do Silêncio no calendário nacional. Se fôssemos país sério, era feriado; porque não há como o silêncio individual, devidamente celebrado e reverenciado em férias internas, para motivar o juízo coletivo, promover decisões necessárias, encorajar ultimatos políticos, desenvolver percepções históricas. Mas somos o quê? uma nação de surdos por estímulo excessivo. Uma gente que preza a comunicabilidade tão sobre todas as coisas que a comunicação em si, eficiente e efetiva, fica um mero detalhe. Queremos rir, queremos falar, cantar, contar, narrar, torcer, berrar, discutir; queremos dizer, por torpedo, desde a unha encravada até a cor do batom de Fulana, desde o resultado do jogo até a sinopse da novela, sem mencionar as overdoses orkúticas e facebookas que avançam madrugadas. E o iPod, e o iPad, o iTudo tunado no bolso, fones por baixo do capuz, ouvindo, ouvindo, ouvindo. Aparelhinhos de último tipo alimentando a fome da idade das cavernas – essa fome devoradora de novidade, fofoca, fato, música; essa fome de draga que nos impele a devorar o universo como se não houvesse tímpano amanhã. Cada um na sua, bebendo da própria fonte, histericamente aprisionado na cabine solitária da retroalimentação particular. Todo mundo ouve o que quer. Ninguém ouve o que precisa.   

Ninguém ouve o que precisa porque o que precisa já nos encontra de canal entupido. Cadê a lubrificação diária da capacidade de ouvir escutando, cadê o detox dessa poluição que nos deixa escaldados de barulho – tão escaldados que tratamos quase todo som como trilha ambiente, incidental, deletável feito spam? Só o silêncio – tão mais prolongado quanto maior for nossa contaminação de impaciência – nos limpa. Só o silêncio nos desinfeta da camada grossa de conhecimento supérfluo, da carga oleosa e grudenta que nos enrosca os sentidos. Silêncio é tempo de faxina; silêncio é varredura física e mental; silêncio é um stop no acúmulo para que haja derretimento das tolices congeladas, das doçuras empedernidas. Qual a primeira recomendação dos hospitais para melhora dos pacientes? Silêncio. Qual o consolo das dores de cabeça, travesseiro das dores de coração, embalo do sono que recupera, calmante do bebê que chora, superfície dos que meditam, habitat dos que rezam, escrivaninha dos que elaboram, amparo dos que estudam? Silêncio. Silêncio é campo de cultivar maturidades, de amadurecer projetos, de solidificar aprendizados, sem o zunzum predatório das informações, sem o enxame de caos e fúria que espera para nos devorar os frutos. Silêncio é nossa lavra sem pragas. É a terra de nossa agricultura.

Silêncio é barulho de gente crescendo.

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