quinta-feira, 10 de maio de 2012

Os alquimistas estão chegando

Se tem um troço que invejo nessa Nina da novela das nove (além do fato de ser magriiiiinha) é o fato de botar a mão na massa e nos temperinhos e tirar dali uma qualquer coisa de lamber os beiços. E é sempre assim: coisa de quinze, vinte minutos. No improviso, para ficar tudo mais interessante e humilhar bem a gente. Mas convenhamos: a graça está justamente na infalibilidade, na impossibilidade de um prato sair errado, salvo intervenção malvada de outro personagem. É para o povo de casa acreditar mesmo na magia, sentir quase o ovo Benedict estalando na língua, a maciez do risoto, a suavidade da baba ao rum. Perfeitos. Indiscutíveis. Como que frutos dum condão de fada. Feito a Tita de Como água para chocolate, a Vianne de Chocolate, o Rémy de Ratatouille, a Babette preparando sua festa, Tia Nastácia amansando o Minotauro com seus bolinhos. Bruxos da ficção que nos colocam à mercê de um desejo mui verídico e ancestral: atingir o nirvana pelo estômago e alcançar sabedoria culinária pelos dedinhos. Gozar e fazer gozar. Se eles podem, nós também podemos – é a promessa que dorme nesse bovarismo gastronômico. A sugestão da possível alquimia. Do exato feitiço.   

Porque não me vão dizer que não há alquimia em espiar um pedaço de carne, alguns ramos de determinado verde, um pauzito de canela e uma polpa de fruta, e intuir que certo gosto pede outro (contrário) gosto, que moram ali misturas insuspeitamente divinas ao paladar, e que dali têm condições de nascer, portanto, pérolas como frango com alho poró ao molho de manga, ou robalo grelhado com farofa de banana, regado a coentro e suco de abacate. Não me vão dizer que cozinha – apesar de exigir, mais que tudo, transpiração real e figurada – não é movida a essas inspirações do além, baseadas em sabores de memória que são mixados numa batedeira mental. Cozinheiros carregam um portfólio de paladares tanto quanto músicos armazenam sons em arquivo, e são capazes, como um Beethoven, de reunir as informações pretendidas mesmo em total surdez. Cozinheiro, aos poucos, passa a trabalhar sem ensaio, sem provadinha; no escuro. Simplesmente sabe. Fica sabendo. Que nasce sabendo, não creio; porém demora tanto tempo conhecendo que, ajudado pelos dotes naturais de mago, termina adivinhando. Entende o pedido surdo das substâncias, o ponto ideal das matérias, o ponto fraco das delícias, o potencial dos esquecidos. Cozinheiro capta o idioma dos elementos como o gramático pressente as palavras e o veterinário suspeita a alma dos bichos. Fogão e forno são mais que uns punhados corretos de sal e pimenta, mais que fórmula mal ou bem-sucedida; são idílio, flerte, diálogo amoroso. Cozinhar é recitar com a natureza a cena do balcão.

Parabéns aos meus invejados bruxos pelo Dia do Cozinheiro. Adivinhem quem vocês convidarão para o jantar.

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