quinta-feira, 17 de maio de 2012

Pelas costas

Numa das colunas desta semana, Ancelmo Gois revelou que certo político estrangeiro, num congresso, andou falando bem do Brasil pelas costas. Achei graça. Normalmente reservamos o dorso alheio, a salvo dos respectivos olhos e ouvidos, para meter-lhe o malho – atitude que recomenda ainda pior quem a executa, por recair na suprema covardia de amputar as chances de defesa. Mas há umas criaturas imparíssimas que elogiam por lazer, por gosto, não por investimento. Para umas tais aberrações, até convém que o elogiado esteja ausente, pelo mesmo motivo que teriam de desejá-lo ausente se lhe fizessem a caveira: os elogiados também se defendem. Com maior vigor, inclusive, ainda que não por convicção. Elogiado é uma gente difícil à beça com elogio, e das duas uma: ou acredita sinceramente que não merece o agrado – tirando, assim, algo do prazer de quem o exalta –, ou aceita, busca e aprecia intimamente as boas falas – e, portanto, menos as merece. Além do mais, elogiar longe do contemplado evita que se estimule uma vaidade, e afasta do admirador a nojenta fama de puxa-saco.

Tem-nos faltado mais energia para essa fofoca do bem, que é como aquele mosquitinho transgênico misturado pelos cientistas aos transmissores da dengue: atrapalha a reprodução de sua versão negativa. Espalhar novidades felizes a respeito de quem quer que seja costuma dar um necessário susto aos maledicentes. Não se espera que o outro venha cheio de boas vontades sobre um terceiro, quando o geral é escolher tais e tais ações alheias para bode expiatório de nossas próprias. Elogiar é para os grandes; e não vem dos notáveis por fora, parte dos imensos por dentro. Parte daqueles que guardam tão imensa terra a ser arada, tanto campo, tanto potencial que toda boa semente é bem-vinda. Os que elogiam não estão abarrotados de si; os que elogiam têm vagas. Os que elogiam é porque não são impermeáveis ao vizinho, mas esponjosos o bastante para bebê-lo no que houver de melhor e bastante agradecidos para divulgá-lo. Elogio é gratidão pública pelo bem direto ou indireto que nos veio; mora, exclusivo, nos lábios que namoram sucesso. É o outdoor dos seguros. É a propaganda dos fortes.

E carta de recomendação para quem lhe faz jus – porque, na ausência de quem realmente se encaixe no elogio, vai este sempre pousar em local impróprio. Que, pois, se exalte o capricho do aluno, para que a ele (e não ao espertinho parasita) venham as boas graças do conselho de classe. Que se enalteça a competência da secretária, para que a ela (e não à preguiçosa parente-da-amiga-do-diretor) venha a merecida promoção. Que se decantem a amabilidade e o juízo do amigo do filho, para que a ele (e não ao louco irresponsável) venham as confidências que você mesma não ouvirá. Que se faça campanha pelos honestos, para que a eles (e não aos safardalhas de sempre) venham os adequados milhões de votos. Que se proclamem os excelentes feitos, as índoles generosas, as empresas organizadas, os funcionários eficientes, as notícias consoladoras, os colegas parceiros, os irmãos magníficos, os religiosos exemplares, as mães talentosas, os pais dedicados, os chefes insubstituíveis. Sejam eles os divulgados, os reverenciados, os amados pelos corredores, pelos elevadores, pelos jornais, pela cidade.

Mesmo contra a vontade.

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