segunda-feira, 28 de maio de 2012

Nem Paris

Em Voando alto – a Sessão da tarde decentezinha que tivemos hoje –, Gwyneth Paltrow é uma comissária de bordo apaixonadíssima pela carreira, que finalmente chega ao topo: viagens internacionais. Londres, Lisboa, Paris. Ah, Paris. Quando pela primeira vez se pega de folga na Cidade Luz, a aeromoça flana com encanto e delícia, mesmo solitariamente. É a paixão dos contatos inaugurais, a alegria embebedante dos objetivos alcançados, o deslumbramento dos primeiros amores. Mas há um Ted que ficou para trás, há uma vida de desacertos horários com a possibilidade conjugal, sobretudo há um Natal – um Natal que calha de ser em Paris. Um Natal já murcho dos ulalás iniciais, sem mais a brisa de novidade que disfarça os vácuos. E Donna (a protagonista) afunda na obviedade: nem Paris se preenche de si mesma, nem Paris nos preenche por si mesma; nem uma Londres, nem uma Lisboa, nem quaisquer Atlântidas e Utopias projetadas. Inexiste paraíso terrestre que nos arranque, sozinho, a orfandade da companhia específica.

A mostra de decoração é bacanérrima, mas falta o olhar da irmã a tiracolo, babando closets de sonho e mármores de valor obsceno. A visita ao castelo é esplendorosa, mas falta o amigo recitando as histórias todas góticas que tem de memória, algumas verdadeiras verdadeiríssimas. A praia está hoje um pitéu de tranquilidade e mornidão, mas falta o casal de gêmeos entretido, na areia, com a busca de conchas inéditas ou engenharias de baldinho. A casa de chá é filial do bistrô que deveria haver no Éden, mas falta a mãe gulosa de bolos arregaçando olhos e mangas diante da bandeja. A paisagem é linda, mas falta visão para partilhar o adjetivo. O hotel é fantástico, mas falta a amizade que ri junto no ofurô. A quadra é perfeita, mas falta o adversário a nos honrar os esforços. Antes de mais nada e de outro qualquer habitante do planeta, falta o amor (que é enredo) no ambiente que só lhe serve de trono e alegoria; falta a alma sobre o corpo, a essência pousada na base, o abraço do tamanho preciso injetando espírito na matéria. É nula a beleza, se não há quem nos compense pelo cansaço de admirá-la. É triste a alegria, se nos soterra solitários; se nos esmaga com seu peso individido.

Felicidade é excursão.

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