quarta-feira, 2 de maio de 2012

Irmão camarada

Soube que hoje é o Sibling Appreciation Day, pelo menos nos Estados Unidos. E o que vem a ser essa estranhice? Em má tradução: Dia da “Apreciação” de Irmãos e Irmãs. É a data, infelizmente não praticada no Brasil, em que se aperta com estreiteza nosso primeiro colega de classe na vida, o partilhador dos maiores professores, das lições inaugurais. Mais: celebra-se aquele que, porque nosso grande contemporâneo, provavelmente será a última família restante – descontados filhos e netos –; a última família que presenciou o ninho original, a última reserva das primeiras referências, o último abrigo das antigas memórias, anteriores aos mais antigos amigos. Irmãos são time de nascença, uniformizados de sangue. Compatriotas de língua e bandeira, a julgar cada residência um país de bolso – uma naçãozinha reduzida com seus minidialetos e costumes. Irmãos são as testemunhas históricas que presenciaram num só tempo seu 22 de abril, seu 13 de maio, seu 7 de setembro, seu 15 de novembro. Que brincaram seus 12 de outubros. Que se fascinaram nos mesmos 25 de dezembros. Que, amanhecendo, correram para iguais cestinhas de chocolate, para iguais presentes abraçando árvore igual. Que nos respiros iniciais montaram endereço em (a)braço igual.

Entre irmãos há o espírito exemplar dos mais velhos de alguém, há o espírito primaveril dos caçulas de todos. Como existem no país ministros, ficam existindo na casa os embaixadores de uma ou outra função amorosa: primogênitos que herdam a ternura da vice-maternidade, pequenos que desenvolvem o afeto alegre e maroto de quem se esquiva à dupla vigilância. Mais velhos que abrem estradas, mais novos que atualizam caminhos. Mais velhos fadados a vencer o orgulho de pioneiros e o sentimento de posse dos descobridores; mais novos forçados a superar a impaciência da idade que não chega, e enfrentar o susto da infância que só em família não se vai. No fim (no que deve ser o fim) os mesmos amores, de pontos de vista outros: o amor mais velho que administra, o mais novo que admira; um que – consciente ou inconsciente – orienta, e outro que – consciente ou inconsciente – se espelha. Não havendo plantação de ciúmes (como lá em casa não me lembro de um dia ter havido), o que se colhe é a amizade mais possivelmente perfeita, porque, tendo sido a única que nasceu sem escolha, foi mesmo assim adotada. Foi imposta pelos fatos, como casamento obrigado que começa de berço – e, apesar de provada nos obstáculos maiores, no tempo maior, no menor grau de opção, tornou-se o mais espantoso dos elos. Porque não há espanto em escolher amor e ele ser eterno. Espanto existe em ele ter vindo no pacote e a gente jurar, pro resto da vida, que o pegou para si de propósito.

A todos que, como eu, têm a sorte de haver nascido com esse amigo portátil, personalizado: apreciem-no. Não são todos que chegam ao mundo já de amor a tiracolo. Bem regado, adubado e crescido, vai ser o maior interlocutor de sua língua realmente materna, o melhor entendedor a quem meia mania basta, monumento vivo dos primeiros e divididor dos últimos perrengues familiares.

Memória mais certa dos anos incertos.

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