sexta-feira, 18 de maio de 2012

Era uma casa muito engraçada

Soube com ternura que hoje é o Dia Mundial do Museu, e desde logo comecei a lamentar pelos bobalhões que pensarão nos museus como redutos de mofo, poeira e amofinação. Permanecer nessa crença é afirmar por tabela que a humanidade, até o fechamento desta edição, só fez produzir lixo e feiuras – e, portanto, que nossas próprias casitas, nossos próprios quartinhos não passam de monumentos ao mau gosto. Veja se não é justa a conclusão, uma vez que museus são quartos e casas onde residem memórias de nossa família universal, tanto quanto casas e quartos são museus onde habitam memórias da família específica. Quem por esta tem devoção há de, necessariamente, reverenciar aquela, que motivou cada gesto e preferência da outra. Frequentar museu é visitar a humanidade em domicílio.

Uma fraqueza pontual me inclina mais ainda aos museus, que é a sina de amar as bibliotecas. Os primeiros são maridos das últimas; se são elas templos de pensamento escrito, eles são bibliotecas de pensamento material. Nos museus morre a agonia do estudo etéreo, a angústia da história impalpável; Machado vira alguém que tinha escrivaninha de madeira escura e manuscrito com remendo, O pensador deixa de ser o gigante inatingível para estar humilde e pequenino ao alcance da mão, utensílios e moedas provam que os gregos não eram fruto da Carochinha, esqueletos de T-Rex mostram cabais de que passado concretíssimo a gente escapou. Tudo sai do era, foi ou será uma vez para entrar nas amizades de sempre, no papo da tarde, na lembrança do meio-dia. A História-com-agazão, subitamente tão pertencente, fica sendo Totó, uma nossa chapa de barzinho. Colega de primário. Vizinha de porta. 

Não bastasse ser a casa mágica que tamanha agorice traz ao pretérito mais-que-perfeito e ao futuro do presente, o museu também guarda silêncio. É principal peça de acervo. O museu gosta, como as bibliotecas, que a gente se desperdice o mínimo para entrar na posse do máximo; que a gente se dê pouquíssimo a ruídos que não sejam os das obras e experiências fazendo bulha cá por dentro, desarrumando opiniões e rearranjando memórias, abrindo mão de tolices e inserindo aprendizagens. E eu amo esse eterno silêncio que acompanha a beleza e o susto da ideia; amo esse som de olhos engolindo, lembrança nascendo, cérebro almoçando. Amo esse som da humanidade que sem-pressamente decifra.

E se devora.

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