terça-feira, 29 de maio de 2012

Edição (i)limitada

Assisti à perolazinha obrigatória A delicadeza do amor, filme francês com a mesma Audrey Tautou (cada vez mais olhuda e adorável) de O fabuloso destino de Amélie Poulain. Esperava um romance suavemente digestivo, distração para fim de tarde, mas eis que pilho uma obra que sorri também seus truques estéticos, dosados com fofura. Não há nem reviravoltas fantásticas nem tatibitatismo americano, nem grandes surpresas nem previsibilidade absoluta. Há achados – de atores, de situações, de recursos; há a delícia simpática que ficamos mastigando após a sessão, de fome alegremente satisfeita.

Todo o longa é festival de cenas sem aresta, porém elejo aqui, como teaser, a fala do doce e desengonçado Markus ao ser questionado sobre o que mais gosta na protagonista Nathalie. “Ela me permite ser a melhor versão de mim mesmo”, simplifica o fofo. Bem dito, bem explicado, bem resumido. Markus é homem absurdamente comum, sem corpo nem cara nem cabelos nem outros atrativos que justificariam a relação com a chefe coroada de talento e beleza. E no entanto transpira um humor, uma ternura, que – livres de serem retratados como milagrosos, formidáveis, ideais, extraordinários, de serem realçados pelo exagero – vêm naturalmente à tona a cada contato com a amada. Não existe bibbidi-bobbidi nem príncipe-encantadice tornando mais explosiva a coisa do que seria em qualquer gabinete ou esquina. Não existe música subindo ou auréola alavancando o rapaz de borralheiro a cinderelo. Não. Markus continua (como nosso colega, primo, vizinho) fisicamente monótono e desajeitado, mas seduz por não propagandear a Nathalie suas qualidades. Em lugar de fingir suas próprias vantagens, emana-as. Basta o gatilho da presença correta.

Que afinal o amor é isso: a chave que nos destranca. O código que nos descerra. A influência que tem o mistério de nos desinibir para o bem. O amor não necessariamente ensina, nem é fundamental que abertamente aplauda, mas por alguma química personalizada ele, em essência, motiva; cria ambiente a que aflorem os dons que não são maquiados nem de empréstimo, que não são mentidos por interesse de sedução. O amor é clima de fazer crescer nossa fauna de dotes, é a geografia necessária para nosso enraizamento, é a condição atmosférica ideal de floração, é terra específica da safra nossa mais dourada. Não é que nos modele ou reinvente – antes nos capta em flagrante desenvolvimento. Amor é o espectador escolhido das evoluções que nos constrangem.

Amor é habitat natural.

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