domingo, 26 de março de 2017

Pão na chapa & família

Todo mundo, eu inclusive, já escreveu sobre as pequenas e maravilhosas satisfações da rotina. Mas há pouco lanchei pão na chapa – essa invenção que, tenho certeza, era consumida no Olimpo entre uma e outra garfada de ambrosia –, e o fato de ser bom, bonito e barato impulsionou o ânimo de listar minifelicidades pela quaquilionésima vez. Vamos aos nominees.

Ouvir uma voz que te leva insensivelmente ao relaxamento (sem necessidade alguma de ser voz de alguém amado, sequer conhecido). Ter um livro-curinga que não te exija fidelidade e possa ser aberto a qualquer hora, em qualquer página, e se faça delicioso de qualquer modo. Deitar para ver série depois do trabalho e do banho tomadinho. Descobrir que o sapato comprado pela internet encaixa como um terno de alfaiate. Respirar sossego finalmente, depois que o vizinho de baixo deixa de fazer escândalo no videogame. Pilhar um tema que flua fácil e líquido. Montar um look pelo qual não se dava nada e que resultou chuchuzinho. Esbarrar num meme que te faça rir dias, de puro riso naïf. Ter um choque elétrico de fofura com o indiozinho bebê que apareceu na reportagem. Achar uma nova pasta para sanduíche que venha embalada miúda, com fartura de tempero. Viver ambientes de trabalho cheinhos de colegas show.

Saber que a série favorita continua sendo renovada. Ganhar uma não contada restituição do imposto (ah, esse prazer que nunca tive). Ficar em semiestado de hipnose por uma estampa fan-tás-ti-ca descoberta na rua. Constatar que umas catucadas na descarga já a fizeram voltar a funcionar com força. Soltar na hora certa uma sacada formidável. Reconhecer terreno num quarto de hotel. Perceber que o quarto do hotel tem varanda. Aproveitar sem correria uns biscoitinhos amanteigados. Vestir a casa com cheiro de cinema ao fazer pipoca de micro-ondas. Passar em frente à padaria justinho no cair da fornada. Flagrar uns pedaços de luar na cozinha. Beber mate, mate, mate, mate, mate. Arranjar um casamento feliz entre a cabeça e o ponto ideal do travesseiro. Embalar presente como se fosse capa de Natal da Cláudia. Gargalhar do grito histérico que o vizinho videogamer disparou, em pleno de-repente.

Mergulhar em sebo como se não houvesse ácaro nem amanhã. Apaixonar-se pelo(a) protagonista. Comprar o amor do casal principal. Acordar na exata horinha em que o computador acabou de atualizar. Chegar à estação na exata horinha em que o metrô se escancarou aos passageiros. Esperar só vinte segundinhos entre você se aconchegar e o metrô apitar a partida. Ir a lugar sem fila – e com banheiros largos e limpos. Aspirar o lençol recém-banhadinho. Ver que a roupa realmente não manchou. Enroscar macarrão sem respingar. Falar sem ninguém interromper. Queimar com o coração ao abraçar. Estar em relacionamento sério com bolsa que dura muuuuuito. Massacrar bochechas. Receber colares. Dar a mala por encerrada. Concluir uma arrumação-tabu. Trocar os saquinhos das lixeiras. Ser obrigada a comer batata frita. Vencer o fiapinho vilão que se alojou no dente. Assistir ao episódio com a legenda batendo direitinho. Entender as falas em inglês quando a legenda não bate. Sair depressa de um sonho esquisito. Sem pesar nem esforço, adormecer.

A lista se encomprida, se encomprida e já invade o tempo do programa que me convoca. Há também dessas doçuras: sem pesar nem esforço, partir.  

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