quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Com que roupa eu vou


Tuitava há algumas horas a querida Giseli Rodrigues, amiga de rede social: "Depois de quase um ano sem me vestir para o trabalho estou redescobrindo as minhas roupas. Algumas estão mais largas, outras não fazem mais sentido e, pelo jeito, terei que comprar peças novas. Mas hoje vou usar uma bolsa que eu adoro e há tempos estava guardada!". Compreendo perfeitamente essa pequena alegria, sobretudo feminina (convenhamos: os boys não têm muuuito que pensar quando enfiam uma roupa para mergulhar no expediente); é, aliás, uma das pouquíssimas compensações de voltar a acordar infinitamente cedo e tentar evitar homicídios perpetrados por alunos sobre outros alunos em sala de aula, por causa de Bics misteriosamente sumidas ou litígios na partilha de álcool gel. Tudo bem que não me foi dada a graça de descobrir peças mais largas, muitíssimo ao contrário – e atire o primeiro muffin quem não consumiu vários lanchinhos reprováveis durante o confinamento –, porém, como encontro alguma diversão em quase tudo, não desgosto de ter de pensar nas devidas adaptações. Há alguns mililitros de veneno antimonotonia no readaptar-se, CONTANTO que nesse readaptar-se não entre uma romantização absurda da precariedade.

Vestir-se para o trabalho, ou para qualquer coisa mais social que o mercado e a padaria, tem lá sua graça; demanda sobretudo que eu volte a desenvolver essa criatividade específica, que volte a pensar em combinações inéditas para fugir ao puro repeteco, que volte a brincar com minhas adoradas cores, ter um quê de satisfação ao reencontrar colares (são as únicas bijus que uso; e quem raios se importa com colares quando há somente uma ou duas saídas da toca por mês, para as urgências mais prosaicas e mais pertíssimas?). Retornar a nossos núcleos externos, ainda que esteja LONGE de ser minha humilde preferência – sou sim bicho do mato e prefiro estar em casa, nunca neguei –, tem ao menos essa recreação ligeira, a de sermos socialmente forçados a pensar na autoimagem. "Credo, é só isso? O convívio com os colegas e monstrinh... e alunos não conta de nada?" Naturalmente conta, gosto muito de uns e outros, mas entendam que sou um ser mais intro que extrovertido; sou mil vezes mais necessitada de entretenimento mental do que social. "E você, apesar disso, só presta atenção a si mesma ao precisar aparecer diante dos outros?" Exatamente; eu me disse introvertida, não narcisista – tenho ZERO paciência de "me arrumar para mim mesma" e sofro de praticidade aguda. A não ser que seja visualmente validada por outrem, sem tempo, irmão.

Trabalhar, já que é realmente imperioso, faz por mim o que não estou disposta a fazer: gerar aquela parte do autocuidado que supera o obrigatório, o meramente automático e higiênico, e chega ao divertido. O básico não é divertido e o divertido demanda energia – além de precisar servir a algum propósito para ser de fato divertido; noves fora, portanto, apenas um empurrãozinho muito objetivo consegue OBRIGAR esta alma pragmática a chegar ao que verdadeiramente deseja. Usar enfim aquela blusita guardada que não viu o sol durante a pandemia, porque seria desperdício; resgatar as saias, em 93% dos últimos meses trocadas por bermuda de "ir ali"; trazer de novo à tona os enfeites que não se usam em reuniões online e tarefas de Google Classroom: sim, são pequeninos gostos que adoçam minusculamente os estresses do retorno, e não teriam o mesmo impacto suavizante se fossem hábitos apenas continuados. E sim, quem me lê já está sem dúvida digitando para mim uma boa recomendação de psicanalista.

Bons psicanalistas são sempre bem-vindos, mas que não sejam por causa disso incomodados; o que fiz e faço é mero balanceamento das sobremesas dos dias. Deixo alegrias em conserva e, no caso de horas com maior carecença de açúcar, quebro o vidro.

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