segunda-feira, 15 de novembro de 2021

O vazio abissal


Por que em todos os casos, em todas as situações, essa criatura cujo nome não pronuncio se apega à metáfora do namoro, do casamento? Agora tem sido com o partido a que talvez se filie: é um tal de anunciar para lá e para cá um "noivado" a ser (ou não) reafirmado em casório. Sim, eu odeio a palavra casório, mas para essa pantomima de Teatrinho Trol – com todo o respeito a um programa honestíssimo – está bom demais da conta, e sobram baldes. Não é perfeitamente RIDÍCULO e psicanaliticamente disturbador pensar numa pessoa desse naipe com ideia fixa numa relação de entendimento, amor, aceitação, renúncia, ternura, enquanto tem encarnado o ódio itself, representado perenemente o dissenso e a guerra, o egoísmo e a incapacidade de escuta, a cegueira completa para o outro e a surdez mais absoluta para toda voz que não a própria?

Quisera ter aqui o tio Freud para uma demorada, abalizada investigação: saber que mecanismos psicológicos louquíssimos se conjuram na construção de alguém que se mostra o exato contrário de sua obsessão particular, como se, sei lá, Hannibal Lecter só fizesse comparações vegetarianas. Ou talvez os mecanismos psicológicos não sejam exatamente louquíssimos; há uma provável lógica em o cérebro aferrar-se àquilo que lhe falta, desde que a falta seja efetivamente sentida em forma de fantasia ou coisa que o valha. Falta amor, falta casamento ao criaturo-em-chefe? Devo crer que sim; o fato de ser casado, e de tê-lo sido outras vezes, não impede a profunda insegurança e consequente necessidade de exibição. Como explicar diferentemente o constrangimento de um chefe de Estado, no mais absurdo DO NADA, se vangloriar num evento público de ter feito sexo com a esposa? Há sempre um vazio abissal naqueles cantos da gente em que mais empilhamos excessos; quanto menos suportamos um vácuo, mais o tornamos exagero.

É triste, é mesmo bastante triste, mas não me vejo capaz de sentir pena (ou tampouco satisfação) diante dessa miséria humana específica, dado que somos nós os alvos indiretos de toda a coleção de recalques. Somos nós que sofremos as perversidades de alguém que, fraco demais para se afirmar por vias amorosas – as que mais, no mundo, exigem poços de bravura –, assenta-se nas cruéis, sempre facílimas e abundantes de vagas e recursos; afinal, nada mais acessível a qualquer nível de cognição do que simplesmente dar vazão ao id, bravatear, destruir, atropelar de vontades egoístas quem quer e o que quer que seja, sem a suprema força da reflexão, do autocontrole. Tristes de nós enfim; tristes dos que, ao fim e ao cabo, têm de carregar consigo a herança da tristeza alheia, involuntariamente atados a questões que não lhes pertencem, asfixiados pela avalanche dum relacionamento abusivo.

Mil vezes mais infeliz quem promove a morte para se sentir vivo.

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