quinta-feira, 11 de novembro de 2021

É sobre isso


De tempos em tempos estoura alguma expressão, alguma gíria que toma a boca do povo ad nauseam e ferra paciências aguerridas. Agora, sei lá eu como e por quê, anda sobretudo entre os alunos adolescentes um tal de: "É sobre isso. E tá tudo bem". Não é que as frases em si tenham nadinha de mais – mas me chateia o fato de seus usuários as empregarem, ao que tudo indica, de modo perfeitamente aleatório; tenho uma aluna que enfia um "então, professora, é sobre isso" em quase qualquer circunstância, ainda que o isso em questão não tenha sido mencionado e eu continue sem saber O QUE raios é sobre o misterioso isso. Donde pitombas desabou essa muleta linguística? Por que (especialmente) os xovens repetem sem aparente reflexão a tal fórmula randômica?

Afinal o "problema" não se encontra nas gírias, e aliás, carioca de nascença e morança que sou, eu teria uma vida BASTANTE amargosa se fosse de implicar com gíria. Pelo contrário, uso-as como todo cidadão são-sebastianense as usa, pegando ainda diversas outras de empréstimo a estados e até países diferentes. O "tipo", por exemplo: é consideravelmente improvável manter um diálogo fluido sem mandar um único "tipo", que como conjunção & bengala & expressão fática é uma verdadeira maravilha; semanticamente é bastante compreensível, na fluência da frase se adapta que é uma beleza e só deixa de ser um recurso prático para virar um crematório de paciências quando a quantidade de "tipos" supera a das outras palavras somadas. "Tipo" é, tipo, algo bem razoável. Já se torna muuuuuito mais maçante encarar um "tá ligado?" pontuando TODAS as frases ditas por uma criatura – e mesmo assim não hesito um segundo em reconhecer a importância do "tá ligado?" para ir checando o canal e abrindo os caminhos do discurso. São termos que parecem se acomodar organicíssimos nas e entre as frases da conversa, brigando talvez com o nível de tolerância do interlocutor, porém sem brigar de maneira alguma com a lógica. Não é o caso desse desconcertante "é sobre isso", que lembra um eterno míssil lançado pelo Coringa de Heath Ledger sem justificativa, motivação ou cabimento: apenas porque sim.

Não cheguei a comentar com os adolescentes sobre o enigma, em especial porque não costumo coibir a naturalidade do que falam (a não ser que soltem termos que enrubesceriam Gregório de Matos, evidentemente); acho-me em simples posição de espectadora que constata e se irrita. O que é sobre isso? É sobre isso o quê? O que quer, o que pode essa nova mania que me lembra o "that's what I'm talking about" dos norte-americanos? Onde nasceu? como procria? do que se alimenta? E por que carambolas anda acompanhado de "e tá tudo bem", por mais que o tal isso tenha a tendência de ser algo cristalinamente nada bom? Cartas para a redação, por gentileza, com etimologia completa, explicações plausíveis e derramados estudos sobre isso.

Mas se estiverem em cócegas para dizer (como pressinto) que é coisa que todo mundo já sabe e já viu no YouTube, no Instagram, no TikTok, porque todo mundo tem internet no celular e só o meu que não tem: tá tudo bem.

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