quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Significâncias


"Nada no universo é insignificante", resumiu perfeitissimamente Friedrich Schiller, com seu senso de poesia agudo. Nada, nadinha mesmo é um mero nada, desde que exista: nem o buraquito minúsculo dos cadeados, que permite escoamentos d'água e evita a ferrugem em caso de encharcamento; nem os botões despareados, que muito bem encontram sobrevida atados a colares; nem as tampinhas extraviadas de suas canetas, que (por que não?) podem calhar de unir-se a canetas extraviadas de suas tampinhas; nem frestas tropecentas de calçada, donde brotam as folhas e florices miudiiiinhas que são meus encantos, e os prováveis encantos duma ruma de insetos. Também não são insignificantes os papéis escritos do que já não importa, inda mesmo que seus escritos não importem; no avesso, afinal, permanece o espaço da still criação, do rascunho, do começo, da paquera, do bilhete. Papéis inválidos viram barquinho, viram chapéu, viram tsuru – viram mil tsurus: desejos origâmicos dum mundo em que tudo se transforma.

Jornais inúteis não são tão inúteis que não forrem gaiolas, limpem janelas, embrulhem mudanças, protejam do corte os garis quando redomam vidros quebrados; vidros quebrados não são tão quebrados que em múltiplos casos não acabem em bijuterias; bijuterias horrendas não são tão horrendas que não possam, dissecadas, distribuir entre bijus maravilhosas suas peças de má combinação. Sem cada miniminho grão de areia não se junta areia para preencher a caixa do gato, o parque do filho; não se faz praia; não se faz pérola, que nada há de irritar a ostra; não se faz vidro (mesmo o que acabará quebrado). Sem cada microgota não se monta uma chuva, e ainda que não se monte uma chuva a microgota dará de beber a abelhas exaustas, e as abelhas exaustas se revigorarão para mais um dia de salvar o planeta. Força, irmãzitas.

Pétalas secas revivem em quadros, cartões; miçangas tresmalhadas começam a enxergar(-se) na condição de olhos de boneca; raspas de apontamento de lápis fazem-se desenhos de flores ou de saias bailarinas; cascas de frutas, de legumes, seguem na missão nutritiva tornadas farinhas ou chips; roupas já inviáveis mudam-se para o armário da limpeza, ressignificadas em trapos multiúso e panos de chão; notinhas de comércio eventualmente marcam livros, velhos marcadores de livro ocasionalmente desintegram-se em mosaicos artesanais, caixinhas de remédio dão em prédios de maquete, retalhos dão à luz nécessaires e niqueirinhas. Tudo se usa, reúsa, renasce; tudo pode ser – num momento que sabe-se lá – tudo de que você, seu vizinho, sua tia, uma joaninha, um gato, uma roseira precisa.

Sem um quê de tudo, nada se realiza.

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