terça-feira, 23 de novembro de 2021

Descatimbando


Recém-soube chocadíssima, pelo post de uma amiga no Face, que alguns cursos grandões deram camisetas para seus alunos usarem no dia do Enem – o que, claro, não teria nenhum problema se as tais camisetas não viessem com frases alfinetantes, do tipo "Ei, sua vaga vai ser minha". Evidentemente, como a amiga observa, as frases são estampadas na medidinha para desestabilizar os candidatos que já chegam mais desestabilizados, coisa aliás nem um pouco rara num ano de aulas ainda atingidas no coração pela pandemia. "Que tristeza, que falta de ética, de respeito", ela comenta com uma dor que compartilho inteira. "É essa a diferença de uma escola para um cursinho preparatório e afins. Quem serão os futuros profissionais que já usam desse expediente?"

Faço minha: quem serão? Que espécie de médico ou psicólogo – teoricamente alçados à carreira pelo requisito número um da empatia, do impulso de providenciar curas, sanar dores – pode resultar dum jovem que topa botar fogo no parquinho mental de seus "concorrentes", sabendo embora que está pré-indo contra tudo que deseja jurar fazer? Que naipe de historiador, advogado, assistente social se pode extrair de alguém que mete mais sal na ferida-base, tripudiando sobre injustiças estruturais em vez de ser o mais convicto de seus inimigos? Que engenheiro há de se originar de quem se empenha em fazer pessoas desabarem? Que professor pode vir dum sujeito que não dissolve, e sim promove o bullying?

Já considero absurda e lastimável a catimba feita por jogadores para desequilibrar o time adversário – as implicâncias, as provocações, as corpo-molices –, tanto quanto as chateações que voam de torcida para torcida, incluindo vaias, que abomino e abominarei sempre; e ainda se pode argumentar (sem que eu levemente me convença) de que se trata de jogo, a lógica é outra, tal e coisa. Para minzinha duarte já o fato de ser jogo não importa nadíssima, o ideal era não haver necas de competição em que para um ganhar o outro devesse necessariamente perder; e, ainda havendo essa maldita competição, é ridículo e desonroso cavar uma vitória enfraquecendo o oponente, em lugar de fortalecer-se de modo limpo. Considere-se então a ridicularia e a desonra de transformar em jogo o que NÃO é nem NUNCA foi: tratar como Round 6, como eliminação sumária de competidores, pessoas para as quais se trabalhará em última instância. Porque não me consta que se deseje uma profissão apenas para realizar um autotrabalho perpétuo; quem escolhe uma carreira não pretende, imagino, curar as próprias doenças exclusivamente, dar-se aula, guiar-se em viagens, construir-se prédios, decorar-se ambientes, tocar-se músicas – pretende realizar sua vocação em outrem, para outrem, tal qual outrem se realiza no um. Que pitomba de raciocínio é esse que, desde a largada, atira contra futuros pacientes, clientes, alunos, fãs, colegas, assessorados, assistidos? Se (além da óbvia motivação financeira) uma carreira é abraçada por pessoas que por meio dela estarão a serviço de outras pessoas, existe ZERO congruência em demolir pessoas. Nem era necessário que pessoas fossem outra coisa além de si mesmas, mas são: são recursos, força, apoio, conselho, plateia, parcerias, consultorias; são fornecedoras e consumidoras, sustento e informação, equipe e fechamento. Não são obstáculo; são trampolim.

E ("pragazinha" leve aqui da tia, que é mais constatação nos afinais de contas) hão de levantar apenas quem as vê assim.

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