terça-feira, 28 de setembro de 2021

Incombináveis


Mas há também o que não combine com absolutamente nada; enxaqueca, por exemplo. É lá possível fazer alguma coisa que preste com enxaqueca? Inviável, ainda que não seja a cuja propriamente diagnosticada e dita, mas qualquer dor de cabeça comprida, renitente, que invade o raciocínio, bagunça as vontades, zoa planejamentos – e nem pra pelo menos ser amor, apesar da lista de sintomas de pagode. Ora, a regra é clara: para proceder a atividades costumamos necessitar da cabeça (sei, não tem sido uma prática unânime, mas still); dificilmente uma parte operacional da cabeça fica disponível quando o ragatanga de uma dor se instala e se inquilina, sempre tocando bumbo. Não há possível, honrosa, balanceada competição com esse bate-estaca de sótão.

Outra disputa que já nasce estéril e inglória é com as horas insones; não têm a alegria ravissante da criatividade que não dorme porque está possuída de si, têm sim a tristeza da energia nervosa, cansada, oca, estressada de horários e obrigações que chegarão a despeito do repouso falho. Incombináveis são, igualmente, as baratas, becos ambulantes da natureza; mui diferentemente (por exemplo) das aranhas, que guardam lá seu estilo e elegância, que combinam com o romantismo das casas mal-assombradas; mui diversamente das moscas, que às vezes chegam mesmo a ser azuis e já habitaram até poema do Machado; mui opostamente aos ratos, que nem preciso dizer o quanto podem (com uma boa consultoria de imagem) ser adoráveis e fofinhos, aptos para narrativas e adoções; – as baratas se restringem a aaaaaaarghs visuais, olfativos, inutilitários. Que a natureza me perdoe se a desequilibro mentalmente, desejando com empenho a sumária extinção desses bichos obsoletos.

Que mais não combina com nada? Aff, alarme de despertador, coisa gasguita que atravessa o sono como um sabre. Cica de fruta inacabada de amadurecer, que amarra por completo a boca e não deixa espaço para gosto nem fala. Peça de roupa rosa-chiclete, que consegue a proeza de azedar até com jeans. Calça saruel, aquela infâmia. Refrescos e refrigerantes norte-americanos de sabores vermelhos, azuis e sei lá mais quais, indistinguíveis. Chocolates tão ao leite, mas tão ao leite que não lhes resta de chocolate mais nadinha: só jazem na língua açúcar e gordura. Blusas de turismo horrendamente floridas. Galos portugueses sui generis que previam o clima. Camisas de enredo de escola de samba, produzidas em confusão e colorido medonhos. Embora – convenho – itens como refrescos inexpugnáveis ainda possam matar sedes, chocolates fake enganar fomes, calças e blusas horrendas serem recicladas como panos de chão.

Tem existências que não.

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