quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Por outro lado


Não é engraçado como em algumas – AL-GU-MAS – coisas de nossa antipatia há também um qualquerzito lado que por outro prisma nos atrai? Fiquei cismando nessa bobeireza ao passar por um anúncio com vários copos de cerveja preenchidos e enfileirados, cada um com um tipo específico de loura, e parar por um segundo encantada justamente com a diversidade visual das lourices: que lindos tons tão vários, tão dourados de seu individualíssimo jeito; quantos desdobramentos mais ou menos amarronzados de mel e âmbar. Ora, ocorre que eu odeio cerveja no paladar e no olfato, inclusive a detesto (mais ainda) terceirizada em quem a bebeu, tanto é absorvida e exalada por seus, digamos, súditos; e no entanto não pude não me dar conta de quão bonita é a danada na visão, em sua elegância de bronze, de sol moreno. Há dessas brincadeiras do mundo – umas relativizações que é melhor nos serem mesmo identificáveis e conhecíveis, e conhecidas, antes que o meio de campo afetivo-sensorial se embole num desconcerto louco, com crushes de mera ocasião levando fama de atrações fatais.

Para além das cervejotas: realmente tenho zero paciência com futebol, mas acho extraordinários os gols de bicicleta e demais lances assim amostrados. Detesto mil-vezesmente estar no meio de eventos de carnaval (em especial o rolê metrô-cheio-de-bêbado-barulhento-voltando-do-bloco), mas curto observar as incontáveis criatividades das escolas de samba e foliões avulsos; observar, claro, instalada num confortável longe. Horroriza-me qualquer possibilidade de entabular uma partida de xadrez – por sinal tenho horror até a estampa xadrez, piso xadrez e esses etcéteras –, mas não nego ser um jogo chiquérrimo, gosto-lhe do som e AMEI O gambito da rainha. Não sou nem um pouco fã de carros, tematicamente falando, e de todas as marcas minha cegueira automobilística só é capaz de reconhecer o Fusca; mas volta e meia aprecio, sim, a beleza duma dessas máquinas, em particular se pequeninas e fofurildas como a Romi-Isetta. Odeio matemática desde as profundezas do útero, mas não sou inapta para achar a geometria algo jeitosa. Tenho um incômodo evitante do toque do quiabo, mas não me desgosta o sabor. Sinto um desprezo enojado e visceral pela existência da instituição "super-ricos", mas não estou impedida de admirar esteticamente ALGUNS Espaços milionários (poucos, é verdade, já que bom gosto não é artigo tão comprável quanto pedras estapafúrdias de ônix para o revestimento do banheiro). Não leio autores classicamente diretos e secos como um Graciliano, mas admiro bem, como não podia deixar de, a exatidão perfeitinha da lavra e da palavra.

Perfeitinha é exagero, claro, para qualquer escritor que não tenha dito "faça-se a luz" no início dos tempos; e contudomente brinca de encaixar muito à feição em tanta coisa rica, espaço-milionária, oculta nas ressalvas caóticas a seu próprio jeito. (Quase) nada é (totalmente) imperfeito.

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