quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Algoritland


Perfeitamente compreensível que as pessoas se viciem nas redes sociais, que entrem no mais alongado transe enquanto repetem o baixa-baixa-baixa polegariano do feed de notícias. Não tenho smartphone ou WhatsApp, não frequento suficientemente o Twitter e sou desprovida de Instagram, mas estou imune? estou nada: curiosíssima por natureza individual e humana, é só me pilhar no Facebook que me vejo atrelada ao feitiço, enrolada no desce-desce-desce da timeline sempre em busca da próxima fofurice, do próximo causo, do próximo meme de humor ou luta (ou ambos) a ser compartilhado quase automaticamente pelos dedos compulsórios.

E olha: não sou, de modo geral, arrastável para vícios, nenhum me tenta – drogas, jogo (inclusive em versão videogame), bebidas, cigarro, tenho antes horror de tudo, tuuuuudo; tomar um gole de vinho em feriados de anos bissextos é o máximo de tangência a que chego desse universo de substâncias. Gosto muitomente de doces, porém sou mais inclinada aos salgados; mesmo um bom chocolate, que aprecio, nunca me levou a mandar para dentro a caixa inteira. Não é nenhuma superioridade moral nem orgânica, creio ser apenas preguiça de me aprofundar num só elemento, de me dedicar toda a passar horrivelmente mal por causa duma cisma demasiada. Em batata frita eu possivelmente me viciaria; seria talvez capaz de comer comer comer comer com eterno gosto e sem cansaço; entanto a racionalidade vence, não está disposta. Me parece que minha conformação geral é a de beija-florar na superfície e fazer só os inevitáveis mergulhos mais fundos.

(Quase) assim é nas redes, ou NA rede: o fato de só facebookar no computador possivelmente me preserva de chafurdar na Algoritland em regime de 40 horas; mas ainda assim, dado o meu histórico de pouca entorpecibilidade, acho já alarmante a facilidade de escoar 60, 120 minutos como que numa sedação de Bela Adormecida, sem responder ao tempo lá fora enquanto o feed vai sendo descido com indolência. Não é que me preocupe – afinal, passo dias inteiríssimos sem olhar o Face em face, ocupada com as devidas ocupâncias e isenta de sofrimento –, melhor dizer é que me espanta; assombra-me a vulnerabilidade que os inoxidáveis, traiçoeiros, mandrákicos algoritmos encontram em nossas frestas de carência mais insuspeitas. Assusta-me o jeito como nos enredam, nos seduzem, nos engajam, nos leem, don-juanescos, dick-vigaríssimos, lançadores de visgo até no cúmulo dos voos, no mais indiferente dos transeuntes. A maior (única?) defesa, penso eu, é estar 100% ciente do ataque, e ativar o modo cinismo diante das sugestões tão excessivamente apropriadas desse violador mental que nos conhece mais íntimo que amigos, parentes, analistas, e tratá-lo com o mesmo desconfiado humor com que se alimenta o flerte dos galãs de quermesse. A gente vai, sorri por desfastio, ri um pouco por esporte, aceita um ou outro elogio, dá uma cortada nas canastrices absurdas e volta, em seguida, aos afazeres que aguardam fora das cores hiperbólicas do arraiá.

De preferência sem ter clicado em nada.

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