segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Trabalho e ofício


Arremata-se um poema de Laís Araruna de Aquino dizendo que "meu trabalho consiste em redigir petições/ como todos os demais/ entanto meu ofício é deixar o coração aberto/ permanentemente/ o espanto não escolhe a hora de entrar".

Pois.

Meu trabalho consiste em semear leituras; entanto meu ofício é digitar pores do sol na tela, me arrebentando de cantar como as cigarras.

Meu trabalho envolve tecer formulários; entanto meu ofício é esquentar sopa de ervilha às três da matina para tomar com George Sand.

Meu trabalho engloba o derramamento de Vanish em roupas laváveis; meu ofício, porém, é um entornar definitivo de sílabas nos côncavos disponíveis.

Meu trabalho inclui engordar diligentemente o Google Classroom; meu ofício – este já se inclina para a busca e apreensão de nomes de flores.

Meu trabalho é o de dissecar advérbios e pronomes; meu ofício mora nas imediações das prateleiras de sebos.

Meu trabalho pede o destrinchamento de entrelinhas; meu ofício, entretanto, solicita fazer tranças de rimas variadas.

Meu trabalho me exige o arranjo de alimento para os dias; meu ofício me obriga (cá está a prova) a ler um contínuo de poemas.

Meu trabalho implica atirar cápsulas de norma culta; meu ofício me atira flechas de madrugada, da parte da lua cheia.

Meu trabalho me faz riscar quadros brancos de ponta a ponta; meu ofício, mui diversamente, me conduz a passeios longos por pitorescagens de alma humana.

Meu trabalho abarca a distribuição de notas; meu ofício, ufa! me larga livre, livre para unicamente por arte exercer julgamento.

Do primeiro ainda me aposento.

Um comentário:

Giseli disse...

Fê, sempre leio seu blog, mas raramente comento. Continue escrevendo. :)