quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Isso não se faz


Não se visita ninguém sem combinação impressa, registrada, em três vias – muito menos se visita alguém desavisado com outro alguém a tiracolo. Mesmo com visita agendadinha com número de protocolo e senha, não se chega mais cedo: o anfitrião ainda está entrando no banho, PELAMOR. Não se dá pitaco na decoração alheia se não for implorado. Não se diz para a pessoa (ou conhecidos próximos que depositarão a opinião sobre a pessoa) que a pessoa está muito gorda, muito magra ou com qualquer aspecto que pareça doença, a não ser que REALMENTE pareça doença e ela apenas esteja em negação mórbida. Não se comenta – entre criaturas civilizadas – "viu QUEM a Fulana está namorando?": a Fulana está namorando quem quer e não é da nossa conta. Não se vira estátua do lado esquerdo da escada rolante. Não se insiste que alguém deveria, sim, ter filhos. Não se mente para uma criança.

Não se desmotiva uma criança. Não se diz a uma criança que saquinho de Cosme e Damião é coisa do demo. Não se desilude uma criança do Papai Noel (não é mentira, é fantasia saudável, e sempre dá para deixar que a certeza prosaica só chegue natural e saudavelmente). Não se conversa alto no trem, no ônibus, no metrô, na firma, no restaurante. Aliás, não se conversa alto em casa: qual a necessidade de ensurdecer familiares e livro-abrir a vida para vizinhos? Não se deixa descoraçãomente um casal sentar separado no transporte público, sendo possível evitar. Não se bota o ar-condicionado em modo frigorífico. Não se pergunta a uma mulher se ela está grávida. Não se perguntam números da certidão de nascimento, da balança e do contracheque.

Não se envia uma mensagem sem checar 8.437 vezes o destinatário. Não se esquece o celular ligado em aulas, cultos, missas, filmes, peças, papos (papos presenciais, naturalmente). Não se explica demais uma gafe, que piora 142%: desculpas e mea-culpa dão conta. Não se dá brinquedo de pecinhas minúsculas para presenteados minúsculos. Não se apoia genocida. Não se trata vacina senão como algo sagrado, praticamente um compromisso religioso. Não se come pesado pouco antes de dormir. Não se compete – sendo mulher – com mulheres, a não ser que se configurem fascistas. Não se quebra um silêncio sem a intenção de melhorá-lo. Não se fecha sob nenhuma hipótese um bom caminho que vem de ser aberto.

Não se mantém chance de erro inutilmente perto.

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