domingo, 26 de setembro de 2021

Pequenas angústias


Suspeitar que não existem cores, flores, frutas, nomes, quadros, livros, animais suficientes no mundo.

Precisar escrever coisas dum universo emocional e estar, por motivos de vida, imersa em outro.

Ter a sede táctil de amimar bichinhos alheios, mas também o horror de soar descabida a seus tutores.

Conferir desesperante os números lotéricos.

Estar sujeita à contingência de um semestre sem caquis.

Estar sempre atrasada. Sempre, sempre, fatidicamente atrasada.

Vez por outra intuir que o mundo (nem falo do coletivo) descarrilou para um túnel de irrealidades, para uma versão farsesca da rotina, e necessitar seguir sob muitos olhos a rotina farsante enquanto a alma ainda não imergiu da vertigem para a tona.

Não poder sonhar felicidades pagas em dinheiro gordo.

Não poder tomar nos braços os personagens queridos, e apertá-los no peito até quase unificar os pulsos, e deitá-los no colo e correr-lhes os dedos nos cabelos adormecendo-os na entranhada certeza de serem amados.

Não poder ter a memória de tudo que já foi ontem. Sentir pedaços da vida tão desgarrados como se nunca.

Andar com a sincera desnoção de todos os ditos e reditos.

Encontrar pela casa os insetinhos roliços, de lentidão agoniante, que atacam mesmo em plena validade os saquitos de chá.

(Achar, aliás, qualquer insetinho não visitador eventual, e sim – porque residente – testemunho de alguma decadência.)

Ver ficções queridas serem forçadas à continuação, por consequência sermos também forçados a um reinvestimento emocional infinito – quando nós e elas só queríamos, plácidos, nos amar em tranquila aposentadoria.

Ver o dia clarear. Demorem-se mais, madrugadas livres!

Ter dor de cabeça de novo, de novo, de novo, por querer bem demais ao silêncio das madrugadas.

Não acabar de ver a lua antes que ela se suma, ligeira em excesso.

Morar num sono perene para tudo que é processo.

Nenhum comentário: