segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Mil folhas


Então pronto: ou muito me falham as aritméticas e sou mesmo um desastre numérico irrecuperável, ou tudo indica ser esta a milésima postagem. Não posso dizer a milésima crônica porque às vezes descarrilo e vou aos versos, e aliás nunca prometi me ater a qualquer gênero senão ao que me desse na veneta; se permaneço na área é que aqui tenho disso, moro no reino encantado do não prometer coisa nenhuma – em acordando e muito bem entendendo que me apetece hoje usar o inglês, uso, em cismando de fazer texto como análise combinatória, faço, em me ocorrendo montar um teste basbaque de revista adolescente, monto, não pago imposto por isso nem nada, ponto-final-saudações. Fosse diferente da liberdade mais absoluta e eu desfazia contrato comigo mesma. Só numa coisa intransigi sempre, prossigo na intransigência: brinca-se diariamente ou não se brinca at all. Não me perguntem a razão da esdruxulagem, que não sei, mas desconfio de que não tenho paixão bastante para fazer outramente, e que um qualquer esfriamento provisório me congelaria. Já lhes disse que acho que posto a cada 24 horas por mera e incontornável preguiça?

Sim, sou preguiçosa, creiam; quero que o blog, nascido como foi no outono, quase espontaneamente outone-se, espalhando-se dia a dia em folhas de forma e tom aleatórios a que calhe a vez de cair – desfolhando-se também como o calendário que, tendo assunto sim ou assunto não, não deixa de ficar pontualmente caduco duma partezinha. É mais fácil dizer o quê se já está decidido o quando: algum fato, algum suspiro, algum excerto, alguma obra, alguma parcela deste ou de outros mundos há de ter despencado por aí a dar sopa, a dar suco; força é achá-la, recolhê-la, espremê-la, vire-se. Não parece menos complicado buscar quando não se sabe o que se busca, concordo, mas com o tempo fica misteriosamente sendo – a engraçada caça dum fantasma temático vira coisa até poética, uma espécie de expedição parnasiana, a procura pela procura; a perseguição do encontro pelo encontro. Querer, buscar, procurar, escrever: verbos que pegam hábito intransitivo.

Se já estou, depois de tanta palavra e lauda, acostumada? quase; creio que suficientemente. Tudo bem que parece, não raro, uma gaiolinha apertante (não me venham dizer que não estou presa a compromisso nem remuneração, isso não faz despesar nadinha do peso, mores; o laço é interno. Teimosos não precisam senão de um laço interno). Tudo bem que há várias 24 horas em que a sensação mimetiza o filme Como se fosse a primeira vez: uma labutazinha é vencida, um sol se põe sorrindo a uma mission accomplished, mas dali a alguns minutos recomeça tudão, em roda-viva. Um microcarnaval diário, um minienredozito desfilando again, again, again em minha Sapucaí de estimação. Porém para todos os cotidianos que não nos aviltam há algum tipo de acomodação e costume; o receio de não dar conta se amacia, volta e meia até dorme no colo do dá-se um jeito. Antes do fim do dia ou do outro dia dá-se um jeito, cai dali ou daqui um verso, despenca acolá uma fala do Papo, irrompe um trecho de novela, explode uma notícia, ri-se de um meme, descobre-se uma palavra, esbarra-se com uma receita, sabe-se de um causo, desaba uma verdade histórica ou uma bobagem retórica e pronto, eis a cena alegremente armada.

Mas não prometo nada.

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