domingo, 2 de janeiro de 2022

Anti-indiferentismo


Falecido há alguns doises de janeiros (no de 1801, para ser exata), o filósofo/poeta/teólogo suíço Johann Kaspar Lavater, já no seu tempo deu o alerta: "Confie pouco naquele que elogia tudo, confie menos naquele que critica tudo, confie menos ainda naquele que é indiferente a tudo". Oh, sim, a indiferença – essa é a matéria maldita de que se fazem os nadas, ou de que nada se faz, nada realmente se ergue em definitivo; é a pasta arenosa e aerada de parecença sólida à qual não tarda o desmoronamento. Ser indiferente é não gozar o bem, mas muitíssimos milhões de vezes pior: não pelejar contra o mal, antes acatá-lo com a mesma banalidade apontada por Hannah Arendt e convidá-lo para um acordo e um cafezinho.

Não há acordos com o mal; há, no máximo – e mui convenientemente –, espertezas CONTRA ele. Há fazê-lo de trouxa tanto quanto possível, mostrando-lhe a carinha inocente dos supostos indefesos e trabalhando como cupins para roer e ruir suas bases. Você dialoga, por exemplo, com fascistas? nazistas? ku-kux-klanners? Evidente que não; nesses termos e nessas realidades não se dialoga, já desabaram quaisquer pisos comuns e quaisquer lógicas dum Estado de direito que não existe na cabeça de preconceituosos e totalitários. A esses não se concede o favor da palavra trocada, mas a esses não se é indiferente tampouco, em nenhuma situação: a esses se engana. Para esses se escondem e manipulam informações, criam-se teatrinhos e intrigas, enviam-se agentes espionadores, sabotam-se armas e demais instrumentos de maldade, monta-se um inferno de mensagens truncadas e refeitas em interceptações, preparam-se armadilhas de todo tipo; dá-se falsa corda em silêncio matreiro, oculto, malandro, dissolvendo os pontos de apoio um a um, até que o horror se desmantela. É isso; a essa espécie de mal absoluto em suas cápsulas nucleares não se peita com individualidade de leão, devora-se com discrição e organização de formiga – merecendo Oscar de atuação às vezes, mas JAMAIS sendo indiferente. Só se aperta a mão do mal (com altas doses de álcool gel posteriores) se for para injetar-lhe um bruto dum Cavalo de Troia.

Claro, existem não poucos indiferentes por ignorância ou por efeito de estados incapacitantes, como depressão. Não é nem poderia ser o feitio de indiferença que critico e inaceito; a indiferença inaceitável, inegociável, é aquela pleníssima de conhecimento e saúde bastantes para dar seu jeito de entrar na batalha – e ainda assim não entra. ESCOLHE ficar de fora, fraca, passiva, blasée, dita isentona, autoproclamada equilibrada. Não há equilíbrio algum em ouvir os dois lados, quando um deles é homofóbico, misógino, genocida, anticientífico, terraplanista; não há tênue justificativa para um não-posicionamento, uma não-ideia firme e gritona, a não ser que se esteja trabalhando como agente infiltrado no inferno e não se queira arrebanhar atenção. Afora essa hipótese remota, porém viável, tem-se a OBRIGAÇÃO humana de apoiar humanos às escâncaras, publicamente, convictamente, sobretudo se se é espelho para milhares doutras opiniões. Indiferença é acatamento, é lado assumido, é escolha feita, é partido tomado; se não se impede uma queda que a gravidade torna inevitável, concorda-se com ela.

Indiferença é a cumplicidade covarde demais até para dizer seu nome.

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