segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Lava story


Sou carioca e, como espécime tradicional da cidade, gosto nadinha de frio. Não fomos organicamente preparados, não temos roupa para o evento. Mas sinceramente: não entendo tampouquíssimo a TARA de alguns pelo calor – e, quando falo de calor em termos de Rio de Janeiro, falo das montanhas de Mordor, da lava incandescente do Etna, com sensação térmica só experimentada pelos residentes do astro-rei. A não ser que se seja requiéééssemo de botar ar-condicionado central em casa e deixar ligado 24 horas, pagando-se uma conta de um bilhão e trezentos millhões de reais, não vejo vantagem: ventiladores mandam ar quente, dão dor de garganta e alergia por causa da disseminação miserenta de poeira e de ácaros que wheeeee! por todos os cômodos; 87 banhos diários são custosos, antiecológicos e não necessariamente resolvem a parada, uma vez que caixas d'água muito expostas ao sol enviam o líquido já pronto para receber saquinhos de chá; piscinas são para poucos afortunados (afortunados em amplo sentido); idas ao shopping são modos eficazes de contágio, e à praia tafulhada de calor (também) humano, não menos – fora que a areia refrescante parece vomitada do Vesúvio e, lamentavelmente, ainda não providenciaram formas de acessar o mar sem ser via inferno de Dante. Em suma: o verão do Rio é para revistas, milionários e masoquistas talvez ainda inconfessos e não diagnosticados, mas que precisam analisar isso daí.

Piores são alguns dos lazeres lazarentos associados à ideia de verão, porém evidentemente instituídos por vilões de desenho animado, daqueles que gargalham tombando pra trás. Churrasco, por exemplo. Conseguem imaginar uma época PIOR para agitar um churrasco?... A sensação térmica natural de 78 graus somada à de 825 da churrasqueira, o responsável pela carne em visível estado de desidratação, quiçá insolação (o que ainda tem o inconveniente de pesar sobre o sistema de saúde); e com o quê ele se "hidrata"? com o quê? com o quê? Álcool, obviamente – um dos grandes desidratadores de nossa humanidade absurda. Além do absurdo que mora no prato principal em si: QUEM, em sã consciência, põe pra dentro QUILOS de carne vermelha, sujeita a milênios de atividade digestiva, em pleno verão rigorosérrimo que já deixa a gente mole feito dobradinha mesmo comendo alface? E claro – claaaaro! –, ainda tem a sobremesa, de preferência um pavê com 56 camadas de chocolate que abrilhanta mais a alegre rave estomacal (aguçada pelo ódio do tio que passou mais um ano sem perder a piada).

E a praia? Misericórdia, Senhor. Naquela mesma areia vomitada pelo Vesúvio, pessoas em aparente situação de sanidade não se limitam a passar como passam aqueles orientais sobre brasas; pessoas estendem cangas e SE ESTENDEM no solo de Mordor, a fim de providenciar a combustão da pele e exibi-la em sinal de juventude e frescor. Pessoas também emendam capirinhas AND assemelhados, num esforço tocante de autoflagelação, e praticam esportes por horas debaixo de sóis individuais, garantindo insolações que matam e têm o inconveniente de pesar sobre o sistema de saúde. Um lazer adorável, em especial se amarradinho com boas intoxicações alimentares provindas dos camarões e maioneses vendidos na areia, sob o aprazível meio-dia do magma terrestre. Ah, que lendários os dias de verão carioca. Daqui a cadinho vem o carnaval, naturalmente, e então ocorrerão bailes lícitos e ilícitos em que o corpo será obrigado a pular até os estertores do sol (ou do corpo), e desidratará, e desmaiará, e tomará soro na veia enquanto pesa sobre o sistema de saúde, mas OK – um calor no coração, essa magia colorida, coisas da vida.

Auriverde verão de minha terra, que nenhuma brisa do Brasil beija nem balança: não quero te ter todo se ardendo só pra mim. Aguardo o fim.

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