sábado, 8 de janeiro de 2022

Universo paralelo


Estou constantemente assistindo àquelas programices psicopatas do Investigação Discovery e me chocando com a simultaneidade das vidas, das coisas. Como assim: observo as datas em que pessoas se casaram, sumiram, foram sequestradas, já andavam procurando outras criaturas sequestradas, e é inevitável – se o evento se deu posterior à minha data de nascimento, tropeço na comparação. Olha, foi o dia da missa de quinze anos; nesse mês aí eu tive as primeiras aulas na faculdade; eu estava então na sexta série; eita, ela desapareceu bem naquele aniversário em que fui ao boliche. Enquanto eu fazia trabalho sobre a Rio92, essa família pregava cartazes em busca do garotinho. Enquanto eu começava a namorar, essa moça inaugurava trabalho no mesmo local de seu futuro agressor. Não é algo que me amarre por minutos sequer, é um flash, um blink de consciência dupla, a rememorada e a projetada; mas é uma brevidade estranha, a do esbarrão com as multiversidades que povoam um planeta que parece galáxia.

Preciso nem estar assistindo a nada, é vero, o assistir traz meramente datas e imagens que exemplificam a trombada – porém a trombada se providencia às vezes só em noção virtual, só em hipótese que flutua no dia; sabem como? lembram a querida Amélie Poulain parando para adivinhar quantas pessoas estariam tendo um orgasmo naquele momento? Mais ou menos assim, somente com mais ambição no diâmetro: céus, quantas gentes no mundo estão nascendo agorinha mesmo, ou morrendo agora mesmo, de forma talvez violenta ou doméstica ou sozinha, ou tudo isso. Quantos olharam HOJE primeira-vezmente para o amor com quem permanecerão até o apocalipse – inda que seja o apocalipse desse amor. Quantos estão sendo contratados, passando pelo frisson estranho de virarem adultos que saem de casa, visitando apês para se casarem ou dividirem com besties, visitando abrigos de pets para adotarem um doguito, dando entrada em papéis para adoção dum filho, escolhendo o nome do filho, decorando o quarto do filho, fazendo tratamento para ter filho, estudando para o Enem (ou vestibular correspondente em seu pedaço do mundo), pichando um muro, bebendo na boate, cantando no karaokê. Quantos, agora, choram subindo na Torre Eiffel ou olhando o Castelo da Cinderela, primeira-comunhando, batizando um afilhadito, casando o caçula, sofrendo uma injustiça amarga, amarga, daquelas que não formarão cicatriz em nenhum agora-mesmo futuro.

Não fico pensando nisso com nenhuma espécie de teimosia, ou francamente enlouqueço (quem não?), mas me ocorre. Me espanta. Necessidade nenhuma de se assombrar com dimensões paralelas da Marvel, quando nestazinha em que coabitamos dá-se justamente isso – coabitamos, traçando cada qual um infinito particular exótico demais em outra linha do tempo que, por sinal, tem a chave do apartamento vizinho, ou aparece vez em quando na janela em frente. É uma realidade doida que não nos diferencia: nos irmana; nos irmana na certeza de que todos possuem uma unidadezinha contada de biografia, de linha temporal, e (não havendo maneira possível de monetizar outra) o esperado é que se arrumem as prateleiras do mundo de forma que exista espaço para TODAS as bagagens, sem benefícios de classe executiva. Uma época, uma ficha, um ticket to ride – é o que os trilhões de cada-uns sempre tiveram em sua hora.

Que seja feliz cada versão de agora.

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