sábado, 29 de janeiro de 2022

Não tem desculpa


No Dia da Visibilidade Trans/Travesti, basicamente o que há a ser dito é: não tem desculpa. Não tem desculpa para deixar de adequar os pronomes à identidade de gênero da pessoa em questão. Não tem desculpa para ignorar a identificação mais profunda do interlocutor. Não tem desculpa para não facilitar a vida de alguém fazendo um microesforço de adaptação linguística. Não tem desculpa.

"Ah, mas o mundo não era assim, eu não estou acostumado." Ainda que o mundo não fosse assim (o que me parece bastante inexato, já que pessoas trans sempre houve e, nem que fosse simplesmente no universo artístico, COM CERTEZA já foram "apresentadas" faz tempo aos olhos teimosos), pois bem, vejam só: agora é. O mundo até ontem não contava com internet, smartphones, redes sociais, e essa ausência em boa parte das juventudes de quem "não estava acostumado" aparentemente não impediu que fenômenos tais fossem incorporados como naturalíssimos – sendo que, ao contrário de experiências puramente humanas, as tecnológicas de fato não tinham precedentes. Ora, criaturas que conseguem apreender o funcionamento do Facebook e do WhatsApp conseguem também lidar com a transexualidade alheia, com muito maior fartura de informação aliás.

"Ah, mas é difícil trocar o pronome de uma hora para a outra." Concordo, quando é o caso de haver convivido por longos anos com uma pessoa antes da readequação de gênero – porém nada que um empenho sincero em acertar não resolva. Quando o convívio se estabelece já durante ou após o processo, entretanto, não existem memórias, hábitos, imagens que ancorem a insistência do falador no equívoco; um empacamento em nomes errados, em termos incorrespondentes denota quase sempre uma agressividade específica ou generalizada. É má-fé sim, beloved – uma DECISÃO de desautorizar a visão do outro sobre si mesmo, estapear a identidade alheia somente para não descabelar nem de leve sua própria versão da realidade; uma escolha enfim peculiar ao eu colonizador que habita os inseguros, normalmente portadores duma psiquê de joguinho de jenga.

"Ah, mas" – não tem mas, é simplinho, é inclusive bastante antigo e tradicional: a gente pergunta o nome, a pessoa diz, a gente passa a chamar a pessoa por aquele nome. Ponto. Tem sido muitíssimo assim desde que humanos passaram a se conhecer no mundo. Se o sujeito declara um substantivo e os convivas o denominam por outro, das duas uma: ou se está no universo do apelido, ou no de algum grau de demência, uma vez que não se trata de informação tão complexa que não possa ser imediatamente absorvida.

Se antes não se sabia, aprende-se – igual a tudo na vida.

Nenhum comentário: