domingo, 7 de fevereiro de 2021

4 minutos de leitura

Tenho ficado chocada com a mania atual de alguns sites: ao clicarmos numa reportagem, vemos perto do título ou da manchete uma informaçãozinha do tipo "3 minutos de leitura". Ou seja, aparentemente um ser humano adulto de nossa época precisa ser baby-sittado com a garantia de que, caso se interesse por um texto de portal, não "gastará muito tempo" em lê-lo – ainda que provavelmente leia pelo menos dez vezes isso por dia em bobagens zapzápicas, muitas das quais fake até a última cloroquina. E já notei também (com menos frequência) outra prática enjoada, a de ir assinalando de modo automático as linhas essenciais da matéria com uma espécie de marca-texto, conforme lemos. Ou seja 2: aparentemente, um ser humano adulto de nossa época não consegue captar sozinho as informações básicas nem sossegar os olhos sobre nada que não seja chamativo o bastante, colorido o bastante. Me admira que o topo das páginas jornalísticas ainda não seja decorado com móbiles de ursinho.

Sim, estou amarga com essa constante infantilização do leitor, considerando que as criaturas que acorrem a artigos de site tendem a ser bem maiores de idade, talvez em plena vida profissional, talvez em pós-vida profissional, talvez pré-maiores de idade mas em vias de Enem, e portanto supostamente aptas para o mínimo de leitura crítica. "Ah, é que ler na tela é mais cansativo, por isso os portais..." Não, não me venham com essa: temos lido na tela há uns bons milhares de 25 anos, pessoas agora trazem o smartphone como uma terceira mão, cada vez mais gente carrega e-books debaixo do braço – e de repente prestar atenção a notícias & afins online se tornou insuportavelmente cansativo? Jovens (semi)nativos digitais já estão, inclusive, começando a prestar o Exame Nacional em seu formato computadôrico, e é presumível que essa versão ganhe terreno nos próximos anos; caso isso se confirme, passar mais de cinco horas pendurado a textos e mais textos virtuais vai virar tão corriqueiro como o ritual de papel, para futuras gerações de leitores, o que mostra quão mais incabível será o tratamento do consumidor de matérias pela internet como idiota.

Porque não consigo não ver a exibição do "tempo de leitura" como um direcionamento do conteúdo para (hipotéticos) idiotas, ou antes criancitas que fazem caca e são postas de castigo com um despertador: 3 anos de idade, 3 minutos de cantinho; 4 anos de idade, 4 minutos de cantinho. Really que os acessantes de páginas de política, ciências, artes, economia precisam saber quantos minutos ficarão no cantinho? É sério que classificaremos natural a "necessidade" dessa tutoria, dessa condescendência destinada a não espantar o leitor assustadiço com o que se convencionou chamar de textão? Uma espécie de indulgência triste que muito tem a ver com a recente polêmica sobre Machado e seus pares de literatura canônica (não vou me alongar no assunto, vocês devem saber a treta que Felipe Neto puxou ao opinar sobre a "impropriedade" de tais autores serem obrigatórios para estudantes – que, segundo o youtuber, acabam sendo afastados da leitura devido a esse trauma). Ora, convenhamos: o ato de ler vai REALMENTE ser algo trabalhoso algumas vezes, porém nunca se prometeu que formar leitores seria sempre descer com eles para o playground, assim como ninguém prometeu que alcançaríamos certa proficiência em ler o mundo playgroundmente. Toda leitura destinada ao nível de jovens e adultos dotados do mínimo de desenvoltura há de ter suas pedrinhas, há de exigir um tempo razoável de assimilação, há de talvez gerar dúvidas – mas qual é a pressa? Releia-se, releia-se, releia-se, eduquem-se os olhos para a absorção da essência e para o respeito aos detalhes, para o conteúdo e para a estrutura, para o óbvio e para o irônico, para as informações e as manipulações. O único cronômetro de que a maturidade leitora precisa é a duração de sua inteira percepção do que está em jogo. O único marca-texto (automático) de que necessita é seu calmo julgamento de dados e incoerências.

O resto é gente sacudindo ursinho diante de nosso berço para nos distrair de injeções que – essas sim – nos podem salvar.

Um comentário:

Camila Rodrigues disse...

Menina, nem fala. Faz muitos anos que mantenho blogs na Plataforma Blogger. Comecei o meu primeiro, o Tutaméia, para me escorar na pesquisa de mestrado e foi muito útil para conservar cada fase da pesquisa. Depois da defesa eu acabei deletando ele inteirinho porque, além de itens de pesquisa, eu também registrava como eu estava vivendo e tinha muitos textos doloridos, sofridos, comentado meus primeiros momentos com a Esclerose Múltipla e como eu estava melhor, quis deletar (como se não tivesse narrado, nada daquilo existiu, como diria Rosa, momentos). Mas deletei e mesmo achando que não escrevo tão bem, criei outro para o doutorado, o Pequenidades, que nasceu com o mesmo intuito e ainda está online. Eles sempre tiveram utilidade para mim como pesquisadora, como ser humano,como pessoa que precisa treinar a escrita, embora não receba muitas visualizações (textão tá aí, lê quem quer kkkk)
Ultimamente eu venho ouvindo de várias pessoas que eu deveria criar um vlog, gravar postcasts (é isso?), para ter mais público. Ora, desde o início a ideia não era atrair público a qualquer preço, era a trair a leitura de interessados pelos temas que desenvolvo. Assim é. Não tenho equipamentos, nem vontade de resumir meus posts e transformá-los em vídeos. Ainda que isso me custe ter cada vez menos leitores, pois mesmo que ninguém visualizou ou leu, eu tenho os registros escritos se precisar (e sempre preciso! Um exemplo foi a "Mostra de Cinemas Africanos" que acompanhei todinha em 2020, fiz um post para cada filme e quando fui convidada para uma palestra sobre,o material estava todo escrito no blog)
Enfim, desculpe o textão e obrigada por levantar esse assunto tão pertinente.