quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Ele não está tão a fim de você


Todo o respeito e todo o carinho devidos a Domingos de Oliveira e a Jorge Furtado (amo), mas não posso deixar de concordar com os tweets da quadrinista e ilustradora Helô D'Angelo, que ontem desabafava: "Nossa, que agonia que eu tenho desse Todas as mulheres do mundo, o cara parece que tá no açougue escolhendo carne"; "A mesma lenga-lenga do homem branco cis hétero rico triste porque na verdade quer namorar a si mesmo, mas, como é impossível, fica projetando em várias minas. Aí, quando descobre como elas são de verdade, termina. Ou então fica procurando amores impossíveis pra não ter que lidar". Ufa, então não era só minha a impressão. Muitos seguidores da artista também fizeram coro: "Eu assisto e fico: Qual o intuito da série? Exaltar vários tipos de mulheres e relações? [...] Mas todas acabam em traição de alguma das partes, o cara fica querendo outra coisa que não tem [...]"; "Pra mim é a romantização do esquerdomacho"; "O próprio cristal sem defeitos que só ama MUITO todas as mulheres, por isso faz o que faz"; "Eu dropei no primeiro episódio"; "Desserviço total".

Pois é, manas (porque todos os tweets que mencionei são de manas), eu nem cheguei ao primeiro episódio, dropei já nos comerciais. Não me cabe por isso, certamente, fazer qualquer avaliação da série a respeito de sua qualidade artística, elenco, atuações, direção, trilha, montagem – e se o fizesse provavelmente daria vários joinhas a esse conjunto, que ao menos pelas chamadas parece bastante harmônico –, seria ridículo eu declarar a obra péssima ao estilo "não vi e odiei". De alguma coisa serve a propaganda, no entanto; e, se a parte estrutural que nos chega aparenta não ter problemas, o que transpira do conteúdo bate aqui na aorta e no ouvido como um troço NO MÍNIMO duvidoso. NO MÍNIMO, datado. Continua havendo espaço, realmente (não que um dia devesse ter havido, mas, né?), para um enredo don-juânico em que o protagonista se apresenta como um serial lover com seus "pedaços" espalhados e distribuídos a todas as gatas, ainda que com o miocárdio genuinamente pendente só de uma – aquela, por coincidência, inacessível?

Olha; esse negócio de "tô fazendo amor com outra pessoa, mas meu coração vai ser pra sempre teu" é tão século XIX, tão pagode dos anos 90. A velha romantização (como apontaram) do sujeito-poeta-sensível-arrebatado-inconstante-autêntico-adorável é apenas isso mesmo: velha – velha no pior sentido, não de clássica e sim de anacrônica, démodé, clichê. Bem pior: cínica. Não temos mais tempo, irmão, de lidar com o afofinhamento do macho adulto que age feito criança volúvel, mas que é perdoado porque óóóóin, olha que lindinho, olha que cutchuco, como se zangar com essa/esse carinha? É fato que tanto o protagonista Paulo quanto suas várias paixões são maiores de idade e vacinadíssimos, que ninguém sofre assédio até onde eu sei, que as mulheres ficam com ele livres e espontâneas apesar de (pelo menos algumas, acredito) conhecerem a inconstância do rapaz e seu encantamento por Maria Alice, a amada imortal. Isso, porém, não melhora a premissa de tomar como subjetividade central e referente a do moço volátil, e como subjetividades secundárias e episódicas as das moças que lhe mariposam em torno – o que inevitavelmente coloca as necessidades masculinas em primeiro plano, a despeito do título. A série não é sobre mulheres, é sobre como um homem as vê e sobre como cada uma lhe agrada ou desagrada; basicamente como a maior parte da história da humanidade tem sido contada até agora.

Confesso que, desde o surgimento da produção no ano passado, toda a minha curiosidade se voltou para o acolhimento que ela possivelmente teria se se denominasse Todos os homens do mundo, e se a Maria Alice de Sophie Charlotte substituísse o Paulo de Emílio Dantas no controle da situação, com as implicações que podem imaginar: uma personagem principal feminina que se envolvesse com um gajo a cada episódio, eventualmente traísse o atual em prol do futuro, porque afinal todos sabem a que ponto ela é intensa, autêntica, sensível e caidinha pela homarada. Se por acaso essa versão alternativa soa estranha e até inconcebível para alguns, é a prova de que sim, definitivamente temos tido um EXCESSO de histórias similares à versão oficial na veia. Todo o tempo do mundo vai parecer pouco para a urgência de desdonjuanizar nosso inconsciente coletivo e para desabituá-lo à ideia de nunca sermos nós as donas do roteiro.

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