segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

De pedras e flores


Podem me chamar de mórbida, mas há alguns dias passei um tempinho simpático caminhando no site Find a Grave (Encontre uma Sepultura), autodenominado "a maior coleção de túmulos do mundo". Gosto de histórias, vocês sabem, e era inevitável que me tornasse afeita a pensar nas tantas quantas permanecem mudas e insabidas sob silêncios de cemitério – aliás, como desamar cemitérios se tão banhados, simultaneamente, de histórias e silêncios? Esclareço aos apreensivos que não fico passeando nem montando piquenique em nenhum, meu oitocentismo não chega a tanto; chegou só até o rolê virtual pelo site pitoresquíssimo, especialmente pela seção Epitáfios Interessantes, que é autoexplicativa.

Levei horas esquecida do mundo (ao menos do nosso) entre as frases gaiatas, comoventes, fofas, turronas escolhidas pelos ocupantes dos túmulos ou por seus parentes para a hora do, digamos, check-out (obs.: todos os escritos destacados estavam em inglês; procurarei manter o – cof, cof – espírito na tradução e reproduzir os originais dos casos mais difíceis): "Eu preferiria estar em Acapulco!"; "Eu lhe disse que estava doente"; "Aqui estou e esta lápide torna isso oficial"; "Causa da morte: Reaganomia" ("Cause of death: Reaganomics"); "Ninguém nunca me escutou"; "Caminheiro, fica um pouco/ e reza por mim aqui./ Logo haverá um outro/ a ficar e rezar por ti" ("Wanderer, stay a while/ and pray for me./ Soon there shall be another/ to stay and pray for thee"); "A ideia é morrer jovem o mais tarde possível"; "Por que você está olhando para cá? Eu estou lá em cima!"; "Eu avisei a vocês que isto iria acontecer./ Muita informação ele leu/ Muita informação o aborreceu/ Muita informação – e agora morreu" ("I warned you this would happen./ Too much info he has read/ Too much info in his head/ Too much info – now he's dead"); "Não estacione a não ser que seja o Bob". Oscar de melhor epitáfio e melhor montagem para Jack Lemmon, cuja lápide diz simplesmente: "JACK LEMMON in" – e nossa visão seguinte é a da grama verdinha que cobre seu repouso, the end de todos nós.

Mas duas despedidas feitas de pedra, em especial, me enterneceram quase às lágrimas. Uma, a de um soldado de 19 anos, Joseph C. Reynolds, morto em 1864 na Guerra de Secessão americana: "Mãe, um de nós tinha de ir. Por que não eu?". Para qualquer um que não seja psicopata, não há ler uma tal declaração de amor, humildade, irmandade sem sentir um bagulhinho triste no estômago. A outra das frases mais pungentes é dedicada a uma Ronda Kay Winton Marconi, e configura o que de mais maravilhoso se pode dizer duma pessoa, acredito: "Ela poderia plantar uma pedra e fazê-la florescer". Não te conheci, Ronda, mas as menos de dez palavras com que sua gente escolheu resumi-la me fizeram amá-la por tabela; a partir do momento em que deparei com essa joia de epitáfio, inclusive, fazer a Ronda perdeu de todo o tom de vigilância solitária e recebeu ares novinhos e frescos, muitíssimo mais apropriados para um mundo que NÃO precisa de mais pressão e mais armas, precisa sim de criaturas com dedo verde metafórico que extraiam e colham o melhor de tudo. Bem-aventurados os que veem potencial florescente na pedra; deles são as mãos que botam a terra o mais aparentada possível do céu.

Eu? não podendo pretender que um dia mereça algo semelhante ao epitáfio nobélico de Ronda Marconi, já me daria bem por contente com a versão simples e honestíssima gravada na tumba de uma chamada Viola Spurlock: "Ela tentou". Ou qualquer coisa vizinha – quanto mais amodestada, melhor – à marotice do genial Billy Wilder: "Sou um escritor, mas afinal ninguém é perfeito".

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