sábado, 27 de fevereiro de 2021

O mundo é grande


Henry Wadsworth Longfellow, poeta estadunidense cujos 214 anos são hoje celebradinhos, falou de sua classe literária especificamente, mas o que foi dito se estende a todas as demais: "O que de melhor existe nos grandes poetas de todos os países não é o nacionalismo e sim o universalismo". Aqui leremos, em tradução moral, que o que de melhor existe nas grandes PERSONALIDADES de todos os países não é o nacionalismo e sim o universalismo. Nacionalismo é, de costume, só um tipo de máscara maldita usada para desagregar as gentes, para colocá-las em times de rinha que destroem uns aos outros, para vestir de espantalho um inimigo externo e desviar atenções do verdadeiro inimigo, normalmente interníssimo.

Creio seja desnecessário apertar a tecla óbvia, mas vamos: não é coisa ruim amar o próprio país, ao contrário, é o movimento natural e elegante de quem vê as riquezas de sua terra com olhos lúcidos e não se sente culturalmente inferior a ninguém. O problema começa no sentir-se – ou ao menos proclamar-se – superior, regando assim a raizinha desgracenta dos fascismos, que crescem com a velocidade e potência do joônico pé de feijão; uma vez nutridos, espinham-se rápido, rápido numa cegueira de exclusões, cancelamentos, paranoias e caça às bruxas, tudo utilíssimo para os centros de comando que ficam locupletando-se nas cabines, enquanto os peões vão à guerra. Massas são movidas por emoções brutas, e portanto bem reuníveis em torno de símbolos que as fazem caminhar atrás do guia, feito grupos de excursão ou torcidas organizadas: hinos, bandeiras, cores, suásticas, escudos, gestos, armas, brasões, mil apelos visuais e sonoros e emotivos que desencadeiam as piores febres de pertencimento e, em consequência, as piores fomes de levar os não pertencentes à destruição.

O que se convencionou chamar de "patriotismo" não é apenas cafonérrimo, infantil, superficial, com sua tendência ridícula de exaltar meras convenções sem lhes questionar o fundo (no caso do Brasil, por exemplo: é lá minimamente razoável um "patriota" cuspir marimbondos contra a cor vermelha, se foi ela que DEU NOME ao país, ao passo que as cores selecionadas para o lábaro estrelado designam casas e famílias europeias?). Antes fosse somente estupidez; mas afinal nenhuma grande estupidez fica quieta sem se tornar perigosa, e o afamado "patriotismo" é intrinsecamente isto: perigoso. É pretexto para eliminar os que ousam emitir críticas – ame-a ou deixe-a, lembram? –, para reduzir a pujança da variedade a uma padronização que nega tudo que somos, para relacionar pensamento a traição, para isolar um país e assim fragilizá-lo (país isolado chama hostilidade, boicote, guerra), para sufocar alegrias e orgulhos espontâneos sob a arrogância que só gera desprezos.

"Ah, mas então não é para a gente priorizar nossa terra?" Calma lá: primeiro, dar prioridade à sua terra no sentido cultural não significa prender-se a símbolos e objetos que meia dúzia mais poderosa inventou; uma nação não é o Estado – são suas ruas, línguas, lendas, sotaques, comidas, feiras, artes, músicas, histórias, pessoas; são coisas vivas, não chapadas, não impostas; não são seus brasões. Segundo, valorizar o que é nacional não se opõe a abraçar o que não o é originalmente: TODA cultura é feita de intercâmbios, e, gente! quer mais vocacionado para a antropofagia do que o Brasil? Terceiro: aquilo que temos visto cá nestas plagas (porque não posso deixar de me ater a elas) e que alguns dementes chamam de patriotismo é tudo, menos priorizador da pátria; vem servindo ao exato oposto, ao entreguismo econômico e político lambedor de saco americano, à dessoberanização moral de um gigante por natureza que poderia ser líder, mas tem sido pet. O universalismo poeticamente – e (é inevitável) socialmente – defendido por Longfellow se afasta tanto do real impulso nacionalista de tudo tomar para si quanto deste nosso "nacionalismo" fake, bizarro, de na prática se colocar abaixo de todos. Universalismo seria a pressuposição da igualdade de valor sem a pretensão da igualdade de características, como irmãos numa família planetária: vozes distintas com a mesma altura de ouvir e de se fazer ouvidas.

"Superioridades" são patetices de criança mimada; o mundo é grande e cabe em todas as pontes tecidas.

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