quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Favor chorar


Outra daquelas adorabilidades do perfil Frases de Crianças, que aqui reproduzo:

"A Luiza [4 anos] fazia balé na escola. A mãe dela é muito séria e reservada. No dia da apresentação de final de ano, a Luiza pediu:

– Mamãe, quando eu estiver no palco dançando, você pode chorar, por favor?"

Ao contrário do desejado pela pequena Luiza, a gente ri, mas só até a página 5; sua diretíssima solicitação infantil pode soar engraçada pelo absurdo latente – pedir que alguém chore, a não ser que se seja um diretor de atuação, não é exatamente igual a pedir-lhe que bata palmas, por exemplo –, porém não deixa de ser tocante como um alerta de que amor não é suficiente: é preciso o testemunho desse amor. Miudinha que é, Luiza certamente não tem recursos bastantes para identificar as sutilezas do comportamento adulto; seu termômetro de medições limitadas provavelmente tem captado, como marcador seguro de afeto, o derramamento visível dos papais e mamães de seus coleguinhas nas apresentações, e vai convencer uma criatura de 4 anos de que não é obrigatório ser assim? Ignoro de que forma a mãe de Luiza respondeu – posso apenas suspeitar que, caso haja tentado mostrar à filha que ausência de lágrimas não significa menor orgulho, tenha ouvido como argumento que todas as mães choram no balé, o que seria um raciocínio compreensível. Sabendo uma criança que a suposta frieza de um familiar, além de pouco aconchegante, chamaria atenção entre seus pares e deporia contra seu próprio valor no "mercado afetivo", naturalmente acabaria adotando como principal objetivo o ser todo mundo.

Sei bem, ninguém é todo mundo e há meios e modos diferentes de demonstrar amor (em suas inúmeras vertentes). A questão é que, pela lógica, há também meios e modos diferentes de receber amor, e muitíssimo já tem girado o planeta em torno de como conciliar as tendências destes e daqueles. Na maior parte das vezes não se trata absolutamente de "ter razão" ou não, mas reza o bom senso que existem, sim, prioridades – e o sagrado direito de uma criança se sentir suficientemente amada é uma delas. Mamãe e papai são obrigados a chorar no balé? impossível "obrigá-los" a uma reação que só vem espontânea (salvo se forem psicopatas ou formados pelo método Stanislavski); ficam eles obrigadíssimos, no entanto, a comparecer ao balé com o mais explícito dos enternecimentos, a cumular a bailarina ou bailarino de beijos e abraços e mais beijos e mais abraços, a deixar patente nos olhos toda a sua admiração, se não for pedir muito até a puxar um lencinho. Um filho não precisa de pais perfeitos, ricos, infalíveis; mas que necessita do maior número de confirmações diárias de não ser um estorvo, que necessita da maior quantidade de provas de ter suas carências respeitadas, que necessita da mais farta segurança de contar com o suporte familiar – é coisa que não se discute.

Não apenas crianças: TODOS merecem relaxar sobre a convicção de que são vistos, acompanhados, apreciados. Obviamente não falo de grude nem de transbordamentos escandalosos, cafonas, aos quais sou a primeira a ter urticária; falo de demonstrações que podem ser elegantemente moderadas, mas têm de ser inequívocas. Se é difícil declarar o tamanho da benquerença tête-à-tête, não custa deixar bilhete na geladeira, no computador, na mochila. Se o gênio de um não é o de organizar festa surpresa para o outro, não custa montar ou patrocinar um jantarzito íntimo, em pas de deux. Se um é tímido demais para carinhos ou declarações em público, não custa segurar a mão, ajeitar os cabelos do parceiro, providenciar os pequeninos toques que mantêm a mornidão do eu-estou-aqui. Se se é sério e reservado como a mãe de Luiza, não custa mesmo assim fazer um movimento, dar um passo, adivinhar um gosto, cuidar para uma decoração especial no quarto, um passeio especial no níver, um ingresso para o show dos shows. Há manifestações mil, de todas as cores e formatos, algumas mais fáceis para os introvertidos porque desprendidas de exposições muito pessoais como um choro na escola; o crucial é manifestar, com a melhor constância e a maior obviedade. Ser até discreto, mas ser óbvio – sem alimentar o tormento da dúvida por nenhum ângulo.

Não é só no cancioneiro popular que somos todos chegados a evidências. Mais do que tudo, queremos ouvir alguém dizer – mostrar – que sim.

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