quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Maravelharias


Pessoal tem zoado direto, com a maior das razões, a esparrela criminosa do "voto impresso", "voto auditável" ou seja lá como a gadaiada queira chamar o troço – como se nossas urnas seguríssimas, referência de eleições democráticas no mundo inteiro, não fossem exaustivamente auditadas no decorrer de todo o processo. Mas a gente sabe que criaturas mimadas, egocêntricas, narcisistas, cientes entretanto da própria insignificância, recalcadas com o fato de estarem fadadas a perder uma disputa, milenarmente hão de querer melar a disputa e tentar emplacar a narrativa dos eternos perseguidos: coitadinhas dessas crianças, o mundo as odeia, a ONU as sabota, a imprensa as calunia, o STF as limita, o centrão as explora, prefeitos e governadores as ignoram; ninguém, absolutamente NINGUÉM deixa esses mártires fazerem nada, o que aliás me leva a questionar se deveriam estar ali, nesse caso, tentando fazer alguma coisa – é que antigamente, sabe? esses paranauê de "governabilidade" eram usados até para tirar gente eleita alegando crime que não houve. Anfã.

Algumas das melhores zoeiras das redes "pedem", assim como o retorno do voto impresso, mil revivals fabulosos: a volta do pombo-correio (e-mail é fraude!), do mimeógrafo (abaixo a fraude das copiadoras!), da máquina de escrever (computador nem pensar! FRAU-DE!), da caderneta escolar carimbada (dá pra confiar em diários eletrônicos??), do caderninho de fiado nos armazéns (vou nem comentar sobre cartões de crédito...), do ferro de passar roupa aquecido na brasa (afinal é auditável, diz o meme: é só abrir e ver se tem brasa dentro!), entre outras maravintage ou maravelharias. Tanto o povo vem insistindo que fiquei com um what if na cabeça, me investigando para lembrar se por acaso haveria, de fato, alguma relíquia que valesse a pena desenterrar dos tempos idos, algum objeto-múmia com chance de bater um bolão fora do sarcófago. Estou a léguas de ser uma grande usuária de tecnologia, porém não sou saudosista tampouco, ou muitíssimo menos – modos que a investigação me custou muito bate-estaca de sinapses, com resultados que não sei se considerarão que se aproveitem:

Videocassete. Não precisa ser com aquelas fitas que se enrolavam como as línguas do inferno; na verdade, o que lamento não se estar vendendo são os herdeiros diretos do videocassete, os gravadores de CD e DVD que, por algum motivo, o mercado defenestrou. Não, NÃO é a mesma coisa ter 1.678 diferentes streamings, YouTube, conversor da NET que grava ou volta o programa e o escambau: os conversores da NET devem estar em determinado lugar e ser de determinado tipo e ser adquiridos com determinado fornecedor, no caso a NET mesma, one and only; o que é registrado tem uma limitação horrível de compartilhamento, não dá pra gravar um negócio no MEU aparelho e entregar para um amigo ver em casa, fora que os registros não são realmente garantidos para sempre por esta ou aquela assinatura – filmes, séries, programas somem do catálogo num estalar de Thanos, bastando para isso que uma Disney, por exemplo, passe feito tsunami arrastando tudo que é seu para fora de tudo que não é Disney. Sim, videocassetes e seus filhotes eram mais camaradas; apesar de toda a pseudofluidez atual, andamos rodando nas gaiolinhas dos grandes conglomerados como nunca.

Nota de 1 real. Por que catapimbas acabaram com a nota de 1 real?? (Sem falar na nota plástica de 10, que também sem dar satisfações escafedeu-se no tempo.) E onde raios se meteram as moeditas de 1 centavo, que tão lindamente ajudavam o troco? Oh, injustiça; oh, indignação. Outra lembrança carinhosa, embora perfeitamente inutilitária: o fofíssimo Furby, aquele bichinho olhudo e tagarela, meio coruja, meio Gizmo, que surgiu no apagar dos anos 90 para pulverizar meiguice no mundo; nunca tive esse monstrinho adorável, mas ficava deliciada em vê-lo batendo pestanas e fazendo barulhitos por toda parte, em todos os comerciais, em todas as lojas. Ainda existe, acredito – porém a intermitência de sua produção o faz quase inexistente, o que deixa o universo consideravelmente mais pobre em fofura. E uma perda gastronômica para mim irreparável: a ausência retumbante da Geleia de Mocotó Inbasa, de cujo jingle, por sinal, eu me recordo com a mais inconveniente teimosia, principalmente ao ouvir os acordes do Jornal Nacional (sim, acho um pouco semelhante, vivam com isso). Por mais que haja ainda outras tantas geleias de mocotó, não há nenhuma como a Inbasa, que guardo em mui saudosíssima memória.

Quantos pequenos vácuos de tudo que escapa de nossa vida para morar na história.

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