quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Quero um título que tenha aljôfar


Amo nomes e, por consequência, amo títulos; alguns foram criados tão lindos que a gente fica mascando, mascando, sem nem coragem às vezes de saber exatamente do que se trata: são bonitos como um amor platônico, bonitos como a Garotinha Ruiva. Vejam se é possível lidar com o acertamento destes uns: Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios – já sozinhamente um poema, sem precisar de mais nenhuma página ou enredo –, de Marçal Aquino; Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, de Maya Angelou; A vida invisível de Eurídice Gusmão, de Martha Batalha; Mar absoluto e (um de meus favoritos) Metal rosicler, de Cecília Meireles; Perto do coração selvagem e A maçã no escuro, de Clarice Lispector; A educação sentimental dos pássaros, de José Eduardo Agualusa; Uma mulher vestida de sol, de Ariano Suassuna; Claro enigma, de Drummond; Clepsidra, de Camilo Pessanha; Tratado geral das grandezas do ínfimo, essa joia de Manoel de Barros – e mais um muitilhão que agora me escapa à lembrança. Gosto excessivamente quando a coisa tem aves, transparências, luas, levezas, proparoxítonas; morro de pena, aliás, que a gente não possa (não pode?) escrever um livro só de títulos, sem compromisso nenhum de dar corpo à obra pré-batizada, por pura diversão com o conceito do filho e nem de longe a intenção de fabricar o filho em si. Ditadura das páginas preenchidas, tsc, tsc.

Se livro parece que não pode, texto parece que pode sim, e já me reservo o direito de principiar a lista por esse título mesmo que acabei de inventar sem consciência e talvez dê caldo: A ditadura das páginas preenchidas. É, passa. Outros alguns nomes que eu usaria feliz em quaisquer obras, por mais que não tenha obras para usar com os nomes:

Um eterno retorno de asas diversas

Escolhi chamá-la Amarílis

Azeite de ervas finas e outras aventuras notórias

Quero um título que tenha aljôfar

Quem escolheu o mármore errado?

Águas-vivas escorregando n'alma

Quintal dos quintais (e gente de mais)

Nunca saberia viver sem o que não tenho

Lisianto e Alamanda

Retrato oval na parede de lírios

Estio comprido de rosas curtas

Descobrimos um lago azul no meio dos olhos dela

Hoje é tão primavera como foi quinta-feira

E vai daí; sigam por sua conta. Depois me contem o que esse longo diálogo com a própria loucura continha (e me chamem para madrinha).

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