segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Pela raiz


Curiosíssimo como parece que somos, bem do jeito que diz o velho meme, plantas com emoções complicadas; assinzinho como as plantas, descompensamos se nossas raízes descompensam, já que o que quer que puxem da terra há de acabar fatalmente em todos os pontos cardeais, com todos os efeitos colaterais. E quando digo raízes não estou botando nenhuma metafísica na coisa, falo muito simplinhamente dos pés mesmo: não é verdade que, nesta temporada de Arendelle que andamos tendo sem dó, é só vestirmos meias gordas e quentuchas para trazermos equilíbrio à Força – e as mãos degelarem, e o nariz desrinitar um tanto, e todo um reconforto emocional nos abraçar como um broto de sol?

Disso, desses fiapos de quase nada, é feita a maior parte dos aconchegos que derivam em plenitudes. Encontrar a posição exata para o refestelar da coluna; formigar no peito quando o casal da ficção ganha nosso engajamento incondicional; tomar bebidas de felicidade quente (chás, cafés, chocolates); ceder ao sono na melhor hora; acordar do sono na melhor hora; constatar que passou a dor de cabeça – estou no aguardo momentâneo dessa necessária alegria –; constatar que o remédio já começou a funcionar; terminar uma refeição de quantidade e tempero re-don-di-nhos; complementar de pão a sopa; flagrar um poema tão imensamente lindo que enfeita todos os pensamentos posteriores; verificar que oba! não é caso isolado dessa autora ou autor, de modo que temos um propiciador de encantos em série. Ah, o entusiasmo açucarado do brinquedo novo.

Em termos de brinquedos novos: difícil competir com o tapa de energia dado pelas chegadas de encomenda, sobretudo se livros, esses fabulosos mundos de bolso. Receber livros é receber, mais-ou-menosmente, as portas do Monstros S.A. para mergulhos particulares e inéditos. E o que mais? o que mais? de coisinhas que, num toque, vão por capilaridade se espalhando em nós inteiros e nos mudando de clima e de cor? Uma excelente cena de novela ou filme, só pela habilidade do roteiro e da filmagem, não necessariamente por nenhuma peripécia técnica; uma quebra de medo bem-sucedida (vivi isso no arborismo, andando apenas sobre uma corda); um encontrão de beleza artística em forma, por exemplo, de pintura, música ou escultura que dão um susto de genialidade; um causo qualquer que viraliza na internet e dá um susto de afeto; um sentir que a temperatura se estabiliza como por milagre no contato do edredom; uns biscoitos REALMENTE amanteigados; uns vídeos de truques cotidianos divertidos, inspiradores; umas histórias que plantam ideias de outras histórias; uma bolsa de água quente sobre a cólica; uma aprovação de proposta que andava sob análise; o aviso de que o iFood não tarda; a confiança de haver deixado personagens queridos em bons lençóis, quando um ciclo ficcional enfim se encerra.

Nós, vegetaizinhos complicados, somos torres que as várias ternuras não permitem cair por terra.

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