quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Reúsa e não abusa


Para os brothers dos States, 25 de agosto é o chamado Secondhand Wardrobe Day, o que corresponderia mais ou menos a um Dia das Roupas de Segunda Mão. Provavelmente lá, meca desvairada do consumismo, é ainda mais urgente e significativo promover uma festividade assim; o que ouvi desde cedo a respeito dos sobrinhos de Sam (não especificamente no campo vestível, mas no de produtos em geral – incluindo móveis e eletroeletrônicos) foi que sempre tenderam mais para o descarte sumário de coisas antigas/danificadas do que para o conserto e reaproveitamento, a ponto de haver vários relatos de gente imigrada que foi mobiliando a casa com peças potencialmente ótimas que os gringos despejaram na rua. Não sei se a combinação últimas crises + maior consciência ecológica de nossos dias ainda lhes permite fazer jus a essa fama doida; de qualquer modo, é de crer que uma celebração do reúso jamais caia mal na ianquelândia ou em qualquer outra parte: nada pode haver de mais moderno, de mais chique. A cada 24 horas cresce mais (e é preciso que cresça o dobro) a percepção coletiva de que desperdiçar, sim, é podre de cafona.

Principalmente no que se refere ao vestuário, o preconceito ainda atravanca a evolução, no entanto. Por aqui existe um ranço da parte de muitos, uma cisma de que "âââin, não vou ficar usando roupa velha, mofada, fora de moda, eu, hein, sei lá de quem foi" – a não ser em dois casos de maior aceitação popular: as peças herdadas em família, que ganham aura de romantismo fofo, e as compradas em brechós e "mercados de pulgas" de outros países, que autoexplicativamente levam a histórias sobre outros países e se cobrem dum charme hipster irresistível. Para brechós nacionais a galera estrupícia torce o nariz, o que é evidentemente uma asneira que eu leio (embora evidentemente não justifique) como um medinho não de sarna, mofo ou "energia" de outrem, e sim como um terrorzito de PARECER pobre. É, crianças, tem muito disso entre nós, dessa bestice: achar que, se a roupa – o carro, o livro... – não for zerinho quilômetro, vale menos, é ruim, não tem graça. Óbvio, não falo de coisas quebradas, rasgadas, estragadas, nem preciso dizê-lo; falo de peças perfeitamente vivas, frescas ou facilmente refrescáveis, que têm ademais o atrativo de serem únicas, de nunca surgirem numa arara acompanhadas de milhões de gêmeas. Se me importo de encontrar gente com look de loja de departamentos igualzinho ao meu? claro que não; adoro, sobretudo, a independência com que fluímos nas lojas de departamentos, sem vendedor no pé obrigando a gente a dizer que "só está dando uma olhadinha"; porém, nesses estabelecimentos grandões, não existe a discreta emoção do garimpo, a busca totalmente roletranda de algo que não sabemos o que é e que não vem em série. Já nos brechós impera, como em meus amados sebos, o espírito de divertida aleatoriedade: fora a divisão por categorias, que é o máximo de previsibilidade encontrável, tudo é sorte e festa, e em cada penduradouro ou prateleirinha pode bem morar um susto feliz.

Por causa da pandemia só tenho frequentado brechozices virtuais, como o site do Repassa, que aliás recomendo muitíssimo; e, sim, há sempre o risco de a escolha não ser precisa, não ajustar feito luva – mas há igualmente a chance plena de devolução, tudo certinho e sem maiores dores de cabeça. Mais importante é a alegria boba de garimpar necessidades baratitas (porque a alegria se mantém nas prateleiras imateriais, sem tirar nem pôr) e de saber que, preferindo os modelitos usados aos novos, salva-se muita eletricidade que deixa de correr, muita água que deixa de rolar, muito esparrame de gasto que não precisava ter sido e que realmente não foi.

Qualquer coisa, sempre há profissionais da costura para fazer bainha, descer bainha, trocar enfeite, zíper, botão. O que não há é planeta de segunda mão.

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