sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Superpoderinhos


Invisibilidade, velocidade supersônica, fator de cura blasterdesenvolvido, força de levantar automóvel com o dedinho, atravessamento de paredes, manipulação do fogo e do gelo, voo, telepatia, telecinese: muitíssimo infelizmente, são superpoderões a que não temos acesso, e a que talvez só o correr dos tempos (booooota tempo aí) alçará nossos corpos humanos; estamos visível e fatalmente evoluindo, então por que não atingiríamos em algum momento um certo patamar de HQ? Enquanto esse milênio não nos bate à porta, admiramos recordes sendo batidos pelos seres mais ultrafantásticos de hoje – que já deixam no chinelo os seres mais ultrafantásticos de décadas passadas –, sonhamos ficções altamente científicas e nos contentamos, vida-realmente, com o que possuímos agora mesmo em termos de superpoderinhos.

Sim, superpoderinhos: aqueles talentos miúdos em comparação com grandezas sobre-humanas, mas ainda assim extraordinários, necessários, preciosos, frutíferos, bastante empregáveis em favor da espécie no atacado, bastante utilitários no varejo – ou, vá lá, ao menos curiosos: decorar tudo quanto é níver de amigos e familiares (minha mãe é dessas), saber de cor e digitado um número imenso de telefones (meu pai é desses), compreender todos os trâmites das estatísticas (minha irmã é dessas), lembrar como foi o gol tal de tal jogo de tal ano na partida de tal resultado com tal técnico (o Fábio é desses), fazer de cabeça as aritméticas mais absurdas, customizar roupas e demais objetos de um jeito fabuloso, nunca sentir calor, nunca sentir frio, repetir diálogos inteiros de séries e filmes antigos, reproduzir uma canção ao piano após tê-la ouvido uma só vez, calcular porcentagens em segundos, distinguir milhares de cheiros diferentes, jamais se perder, atingir notas gravíssimas ou agudíssimas, conseguir estudar e conversar e assistir à TV ao mesmo tempo, acordar espontaneamente muuuuito cedo, não se cansar em praticamente nenhuma circunstância, falar de improviso, recordar por-me-no-res de histórias lidas, ser um mago ou maga do tempero. Isso – o que é lindo – temos todos: essas variadas facilidades seletivas, sempre insólitas para os que observam e naturais para os que portam; esses pequenos mistérios de nossas células cinzentas, que nos fazem combos e loterias ambulantes, inacreditavelmente únicos dentro dum bando tão numeroso.

Eu, por exemplo: sabia de modo inequívoco, enquanto morava com Pais, quem era qualquer um que houvesse chegado, só pelo mais ligeiro e inaudível tilintar do chaveiro, pelo abrir da porta e pelo pousar da chave na mesa. Apenas sabia. Também sei imediatamente quando algo na comida está passado ou passando, já que um arrepio me estremece ao primeiro contato olfativo. Consigo ser explosivamente rápida numa corrida de poucos segundos (embora faleça de asma depois, o que torna 100% inviável toda atividade regular nesse sentido). Tenho uma memória bastante persistente para rostos. Decoro os nomes dos alunos logo nas aulas iniciais. Lembro muita coisa de novelas sortidas: tramas, trilha, detalhes dos personagens. Me adapto. Vivo sem smartphone. Leio em francês sem me haverem ensinado o idioma – mas je ne le parle pas, nem o compreendo falado; quem sabe algum dia? Guardo essa esperançazinha firme e sólida, o que não deixa de ser um jovem superpoder em nosso Brasil-zil-zil que vem serial-killando esperanças de todas as envergaduras.

(Por sinal, governantes e milionários queridos: QUÃO sortudos sois vós de eu não ter os poderes de Carrie – a Estranha, não a Bradshaw – queimando nas veias; viveríeis uma sexta-feira 13 comme il faut, de que nem Wolverine cicatrizaria. Mas tem nada não, tem nada não, as consequências vêm, o dia chega. One, two: time is coming for you.)

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